1.5.13

Ninguém disse que seria fácil

Outro dia fui visitar minha prima P. e seu filho recém-nascido, então com 12 dias de vida. Gosto demais dessa prima, que é uns 5 ou 6 anos mais nova do que eu, e tem uma irmã mais velha e um irmão mais novo. Todo mundo sempre dizia que, por ser a filha do meio, ela fazia questão de chamar mais atenção. E tanto fez que, diferente da irmã (que é pilota de avião) e do irmão (que é biólogo), P. enveredou para uma carreira artística: é atriz e até pouco tempo estava em cartaz em teatros alternativos com um monólogo escrito, produzido e estrelado por ela -- muito bom, por sinal. E também diferente dos irmãos, que se casaram/juntaram com namorados de longa data, P. teve alguns relacionamentos mais estáveis, mas no ano passado engravidou de um cara que eu mesma só vim a conhecer no Natal -- ou seja, caso recente. Felizmente, um cara nota dez, daqueles de quem a gente gosta logo de cara, e acha que foi uma bela aquisição para a família, por assim dizer, proprietariamente.

Vinda a gravidez, P. e seu parceiro foram os mais alternativos: não queriam fazer ultra, não queriam saber o sexo, se mudaram para um apartamento muito charmoso mas com não mais de 30 metros quadrados, num lugar afastado de São Conrado, rodeados de muita natureza, canto de passarinhos etc. Fizeram um chá de fralda mas que não era para levar fralda, e sim contribuições em dinheiro, porque estavam convencidos a usar fralda de pano. E o parto seria em casa (no apartamento minúsculo), natural, humanizado, com doula e sem anestesia.

No meio da minha viagem a Londres, sonhei com o parto do filho de P., e escrevi para ela contando do sonho. Ela adorou, me respondeu feliz, dizendo que o bebê ainda não tinha nascido, mas que seria a qualquer momento. E de fato naquele mesmo dia em que me respondeu, o dia seguinte ao sonho, começaram as contrações. Fiquei sabendo depois que o trabalho de parto durou mais de 24 horas, e que, às páginas tantas, ela acabou sendo transferida para a maternidade, onde tomou anestesia e hormônios para acelerar a dilatação, e finalmente conseguiu parir a criança, de parto normal. Um bebezão de 3,9kg e 51cm, lindo e saudável.

O parto foi tão extenuante que P. acusou o golpe e ficou meio deprimida nos dias seguintes. Para completar, a criança chorava loucamente e queria mamar de hora em hora nos primeiros dias. P. não conseguia dormir nunca, o leite desceu em grande estilo, ela teve a "febre do leite", mastite, precisou ir para o hospital e tomar soro e antibióticos -- e o que é pior, morrendo de culpa por isso. Logo depois o casal desistiu de tentar dar conta de tudo isso em seu conjugado no meio do mato e se mudou para a casa da sogra de P., um confortável 3 quartos no Leblon, onde têm ajuda permanente, conforto, mais infraestrutura -- e fraldas descartáveis.

Quando fui visitá-la (domingo), as coisas estavam mais estabilizadas, mas ainda muito longe de tranquilas. P. leu tudo o que podia durante a gravidez, foi instruída por especialistas, se informou. Mas nada a preparou para todo o perrengue que está passando. As coisas não saíram bem como ela esperava, não foi um processo tão natural e intuitivo como diziam os livros e as doulas. A dor das contrações foi muito além do que ela poderia imaginar (ela me disse que teve vontade de esganar a doula quando ela lhe dizia para "se entregar para a dor") e as dificuldades da amamentação parecem insuperáveis.

Eu disse a ela que acho uma balela esse papo de que a maternidade vem naturalmente e que tudo é muito intuitivo e natural. O processo exige muito esforço, de todo mundo (mãe, pai, bebê). Sim, é certo que algumas coisas podem vir de forma intuitiva (como segurar o bebê, como interpretar choros), mas a maioria não. E certamente com variações de mulher para mulher. E mais: não conheço nenhuma mãe que não tenha pensado, em algum momento: não vou conseguir, não nasci para isso, não sou capaz. Quando falei isso, os olhos de P. marejaram, ela me agradeceu e perguntou por que ninguém nunca tinha dito isso a ela.

Ninguém disse que seria fácil, mas ninguém pode detalhar o grau de dificuldade com precisão. Os desafios são tantos e tão monumentais, principalmente nessas primeiras semanas de vida do seu primeiro filho, que podem parecer intransponíveis. E um grande desserviço que se presta é fazer crer que sozinha a mulher pode dar conta de tudo. Quanto tempo ainda vamos ficar nos enganando, querendo ser super-mulheres-maravilhas que não dependem de ninguém, não precisam de ninguém para resolver suas questões, que têm vergonha de pedir ajuda? Até quando, essa insanidade?

8 comentários:

Marcus Pessoa disse...

Ai Anna, esse asunto me dá uma pregtuiça... tenho uma amiga que é taliban do "parto humanizado", posta todos os dias um monte de coisas sobre isso no Facebook... eu tive que tirar do feed, porque, né? É um saco.

Quando tudo era "humanizado" e não existia medicina as mulheres morriam de parto! Não concebo o que faz alguém abrir mão dos confortos da ciência e da tecnologia. Isso me parece fanatismo.

Não conheço a sua prima, mas ela diz que niguém contou pra ela o quão difícil seria o processo. Será que ela perguntou pra alguém isso? Será que estava disponível pra ser convencida?

vera maria disse...

Muito bom esse post, anna, toda mulher - com filhos ou não, grávidas ou não - deviam ler. Muito lúcido, claro e com informações absolutamente necessárias. Mas tenho a impressão de que sua prima queria viver essa experiência diferente, que combinava com seu estilo de vida, mais simples, mais natural. Acho que não havia muito como antecipar todo esse sofrimento, porque, como vc diz, cada situação é única pra cada mulher - vai que o parto dela tivesse sido rápido e menos doloroso (se isso for possível)? Não sei, até porque nunca pari, mas concordo que essa idealização da maternidade, sem levar em conta o ônus que ela carrega, é uma imbecilidade e serviu durante décadas pra figurar uma mulher 'do lar' que interessava às sociedades até a entrada dela no mercado de trabalho. Enfim, torço pra que sua prima dê conta da 'nova realidade' com a serenidade possível, que o trauma desse parto não dure pelas coisas ótimas que seu bebê trará, com certeza.

Grande abraço,
clara

Leleca disse...

Eu posso estar errada, mas acho que não é nem a questão natureba/orgânica do momento: ser mãe sempre foi visto uma coisa mágica, com aquele amor incondicional e instantâneo que ia resolver tudo. Eu não amei minha filha assim que eu vi (e ainda me culpo por isso, porque, afinal de contas, sempre que nasce um bebê, nasce uma culpa) e, pra mim, isso ainda vai ser sempre o mais difícil.

Enfim, embora eu não goste do auto-jabá, eu escrevi há 15 dias sobre essa caída de ficha: http://www.cha-tice.com.br/sobre-quando-eu-fui-mae/

;)

anna v. disse...

Marcus, entendo essa sua preguiça, afinal todo fanatismo é cansativo e chato mesmo. No entanto, reconheço a importância das pessoas que abraçam de forma mais ativa a causa do parto humanizado, do parto normal, do parto natural. Porque é tão absurdo o que acontece no Brasil, o índice inacreditável de cesarianas, a desinformação geral no que se refere aos direitos das parturientes (e dos bebês, por que não), a quantidade de bebê abaixo do peso e praticamente prematuro que nasce desnecessariamente assim, simplesmente para se adequar à conveniência do obstetra... Enfim, a coisa é tão grotesca que acredito que precisamos ter mais boa vontade com quem é ativista dessa causa, e temos mesmo de ser mais parciais e ativos quanto a isso.

Clara, é isso mesmo. Dizer que tudo vem naturalmente e que é a coisa mais maravilhosa do mundo é discurso manipulador mesmo. Porque, na boa, está muito longe da verdade.

Leleca, sensacional o seu texto. Adorei. Muito lúcido e terrivelmente bem escrito.

Marcus Pessoa disse...

Sim, Anna, concordo inteiramente com você a respeito do parto natural. Apenas friso que ele é menos agressivo quando feito com os recursos da medicina moderna. E isso que alguns xiitas querem ignorar.

vera maria disse...

"toda mulher...devia ler" - claro :-):-)

Isabella Kantek disse...

Poxa, Anna, era tudo o que eu precisava ler para dar sentido a alguns sentimentos que andam me revisitando de uns tempos para cá.
Quando tive a Estela vivia me perguntando "por que ninguém me disse que seria tão difícil?". Depois com o David veio a questão do parto, aquela culpa por não ter dado conta do recado, por não ter vivenciado o parto orgânico. Com a Cecilia, o inesperado duas vezes: cesárea surpresa e a aquele turbilhão de emoções que te preenche por dias, semanas... ainda penso sobre isso de como foi me sentir completa justo com o parto tido como o menos humanizado de todos.

Adorei o texto da Letícia. :-)

anna v. disse...

Oi Isabella. Acho que precisamos todas falar mais sobre isso, não? No mais, sempre bom ter notícias do seu front (me apropriando de uma editora que conheci na feira de Londres, que tem filhos da mesma idade dos meus, e me lançou aquele olhar de cumplicidade quando disse "Ah, então você também está nas trincheiras, hein?".