24.9.12

Cinquenta Tons de Espanto


A menos que você tenha chegado ontem de um planeta distante, há de saber que o mais recente megafenômeno do mercado editorial é a trilogia Cinquenta Tons de Cinza, da inglesa E.L. James, um romance erótico protagonizado por um homem dominador e uma mulher submissa, vendido como "pornô para mães" e autoproclamado salvador de casamentos.

Antes de prosseguir, o disclaimer. Este assunto me assombra e provoca imensa dor-de-cotovelo, porque este projeto passou por mim, tive oportunidade de participar do leilão e declinei (porque achei uma porcaria). Ou seja, faltou-me enxergar o fenômeno, quando meu trabalho é justamente identificar e adquirir best-sellers. Haja assombração, com sei-lá-quantos milhões de livros vendidos mundo afora.

Eu fico verdadeira assombrada com a proporção que estes livros tomaram. Primeiro, por ser literariamente tão ruim. A escrita é um horror; os personagens, um pesadelo; o enredo, uma abominação. Não por acaso, a história começou como fan-fic do Crepúsculo. (Fan-fic é a ficção feitas pelos fãs, quando os próprios leitores começam a escrever continuações para as séries de que gostam.) Na sua origem, a trilogia foi autopublicada, sem trabalho de editor, o que certamente quer dizer alguma coisa a respeito do papel dos editores neste mundo. Então, ok, a questão não é o texto nem a qualidade literária.

E segundo, o que me causa mais espanto, por as pessoas ficarem entusiasmadas sexualmente com o que o livro traz. Por acharem o protagonista, um megaempresário milionário de 27 anos, tão incrivelmente sedutor. Por se identificarem, em proporções tão avassaladoras, com esse fetiche de algemas e chicotes - o nome correto do que existe no livro é BDSM, que qualquer um pode recorrer à Wikipedia para entender do que trata. Por acharem a protagonista feminina alguém digno de empatia ou quiçá identificação.

Já li muito a respeito e conversei com várias pessoas que leram os 3 livros e gostaram, mas nenhuma conseguiu me explicar convincentemente por que gostou ou ao menos como conseguiu vencer as mais de mil páginas.

Eu continuo assombrada.



5 comentários:

Verônica disse...

eu li os três livros. achei que faria sucesso simplesmente por ser uma reedição daqueles clássicos - com melhor roupagem - de Julia e Bianca de anos atrás, que ao contrário do que pensamos, vendem bastante. realmente não tem qualidade de escrita, não tem profundidade, não encanta nem seduz o leitor que está acostumado com alta literatura, mas seduz aquele que está procurando apenas fugir da realidade, embarcar em um conto de fadas. ao meu ver, essa trilogia é isso, um conto de fadas, onde as personagens fazem sexo e gostam disso. por isso a identificação das mulheres, essas vendagem altíssimas. temos a mesma mocinha desamparada, o mesmo mocinho perturbado, bonitão e rico e temos o mesmo final feliz, onde eles encontram redenção, felicidade, amor, sucesso, dinheiro e uma boa transa - tudo que a maior parte da população quer e não consegue.
se tivesse caído na minha mão esse livro, eu indicaria sem dúvida para publicação, não pensando no meu gosto pessoal, mas no gosto de várias pessoas que eu conheço e que leriam e gostariam desse tipo de livro.

Marcus Pessoa disse...

Imagino como você deve se sentir frustrada de não ter conseguido enxergar o potencial comercial dos livros.

Não os li e nem pretendo, mas fico pensando, será que a qualidade literária tem alguma relevância hoje no mundo dos best sellers? Eu li o Anjos e Demônios do Dan Brown e achei uma imensa bobagem.

E li também alguns do Sidney Sheldon (estava de férias num lugar sem internet, e só com isso pra ler) e achei as histórias totalmente sem lógica, grandes novelões cheios de incongruências.

Não sei direito o que faz um livro ser sucesso. Talvez seja o caso de você fazer um post para aprofundar isso, ou pelo menos expor a sua visão.

Helê disse...

Eu não li mas achava exatamente isso, pelas descrições (muitas) que ouvi, vc me poupou de ter que ler pra comprovar que é ruim. Que sensação ótima de ter economizado meu tempo! (Porque dinheiro eu nunca cogitei em gastar) Agora, que merda ter perdido a chance de ganhar com ele, porque se alguém ia ganhar, eu preferia que fosse você, oras.
Beijo!

MegMarques disse...

Vontade de escrever um cartazinho "Eu já sabia!"

Quando comecei a ouvir falar muito dessa trilogia eu pensei logo: não pode prestar. Ainda bem que não me dei ao trabalho, vc fez por mim!

anna v. disse...

Verônica> o problema é que livros como este, com essa temática e esse appeal de erotismo já existem aos montes nos mercados americano, inglês etc. "Erotica" é um gênero considerado e consagrado, com muitos títulos disponíveis desde sempre. Os mais "revoltados", ou talvez "surpresos" com o fenômeno Fifty Shades são justamente os autores e editores de erótica, porque eles sabem que essa mesma coisa já estava há décadas no mercado, e nunca foi essa coisa toda.

Marcus> "qualidade literária" é um conceito escorregadio, mas naturalmente a gente identifica certas características como mais importantes para determinados gêneros. Onde eu trabalho, por exemplo, na área de ficção, só entra ficção comercial, nada de ficção literária. Então buscamos sempre certos fatores, como uma narrativa ágil, focada na ação e não na forma, personagens com os quais seja fácil se identificar, etc. Mas o sucesso dos livros é um mistério inexpugnável.

Helê, Meg> que bom que pude poupar seu tempo e dinheiro, meninas. E Helê, eu também preferia que fosse eu a lucrar com esse livro, mas enfim, né? Tem outros - melhores - dando certo também.

Beijos.