27.11.10

O Circo chegou


Vejo toda essa comoção em torno da ação da polícia na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão como um grande circo. Um espetáculo midiático como outros que já ocorreram por aqui. A diferença positiva desta vez é que todo o show vem a reboque de uma política de segurança já em implantação há alguns anos, as UPPs. Que têm problemas, claro, que têm de ser pensadas para além de sua implantação, que merecem um olhar crítico, mas que, daqui do minha pequena ilha da fantasia em Botafogo, me parece a melhor política de segurança que o Rio tem em décadas. E pelo simples motivo de ser uma ação contínua, e não pontual. Por isso é que o grande ataque desta semana, o "Dia D" (e que incrível cara de pau do jornal O Globo de colocar ontem no texto da primeira página uma comparação com o desembarque das tropas aliadas na Normandia!), não me comove. Os 450 policiais vão e vêm, bem como os 800 soldados do exército. Nada disso vai mudar a situação significativamente enquanto o Estado não for uma presença constante e rotineira na vida de todas as pessoas.
Mas que diabo, estou a falar obviedades.

Melhor então falar sobre os filmes que tenho visto em casa, durante esse meu período de resguardo. Nos últimos anos fui tão pouco ao cinema, e tenho tão pouco hábito de ver filmes em casa (seja no DVD, no computador ou na TV), que não falta filme para eu correr atrás. Nas últimas semanas vi Bastardos Inglórios, Gran Torino e até o filme sobre a criação do Facebook (A Rede Social), que me pareceu uma loucura total, porque acho surreal que uma bobagem como Facebook valha esse tipo de dinheiro. (Call me old fashioned, paciência.)

Mas, fazendo um paralelo com o primeiro parágrafo deste post, o que vi também na semana passada foi a trilogia O Poderoso Chefão.


(Parêntese para clamar pela desnaturalização desse título brasileiro, essa absurda tradução para The Godfather. O Poderoso Chefão é o tipo de título traduzido que achamos que existe em Portugal e damos gordas gargalhadas com a falta de noção reinante. Mas não. Lá o filme se chama O Padrinho, é claro! E aqui, O Poderoso Chefão. Chefão, amigos, prestem atenção, que aumentativo mais ridículo para um título de filme desse calibre!)

Mas tergiverso. Não sei bem por que resolvi pegar o filme, acho que li algo sobre como foi o único caso em que um filme e sua sequência ganharam ambos o Oscar de melhor filme. Já tinha visto a Parte I há muitos anos, mas não lembrava de nada, a não ser de algumas cenas isoladas, como a morte de Don Corleone na plantação de tomates. Então sentei com vontade para encarar as 3 horas de filme, e para mim não resta dúvida de que se há um filmaço na trilogia, é o primeiro. Lançado em 1972, com Marlon Brando roubando totalmente a cena como Don Vito Corleone. Na verdade, basta a primeira sequência do filme para te deixar boquiaberto. É uma tomada longa, em que um personagem secundário conta uma história triste para o Don Corleone e pede sua ajuda para fazer justiça. Tudo é carregado no chiaroscuro, e a câmera vai abrindo até aparecer a mão do Marlon Brando, e em seguida todo ele, visto de trás. Uma beleza.

Mesmo assim, tem umas partes que eu, na minha suprema ignorância cinematográfica, achei meio longas demais (como a temporada que o Al Pacino passa na Sicília, ou a terrível sequência do produtor de Hollywood com o Robert Duvall).

O Poderoso Chefão II, de 1974, sofre muito com a ausência de Marlon Brando. Confesso que, nas 3 horas e meia do filme, acabei me aborrecendo um pouco com o personagem principal (Al Pacino) e sua eterna angústia e rancor em relação ao mundo. A sorte é a parte em flashback, que conta um pouco da história do jovem Vito Corleone, interpretado por Robert DeNiro, um bálsamo. Sim, naturalmente é ótimo um filme que sugere mais do que mostra, e que te dá coisas para pensar depois que termina a projeção, mas quando o filme acabou fiquei cheia de perguntas por responder (afinal, qual era o grande lance da presença do irmão do Frank Pentangeli no julgamento do Michael? como o jovem Vito sobreviveu sozinho em Nova York com 9 anos de idade em 1901? e principalmente, como ele passou de jovem trabalhador de mercearia a capo? só fazendo pequenos roubos com o Clemenza?! Fantucci não trabalhava sozinho, como pode não ter havido reação a seu assassinato?). Achei este o mais cansativo dos três filmes.



O Poderoso Chefão III, de 1992, é quase uma paródia. A crítica incensa a parte 2 como obra de arte e essa parte 3 como desprezível, mas eu confesso que esta última me entreteve mais. Tem a participação da Sofia Coppola como atriz, que é tão ruim, mas tão ruim, que chega a ser divertido. Tem também o Andy Garcia, que é tão caricato que a gente até esquece do filme e se concentra só em observar como ele é bonito. E, claro, tem o Al Pacino, que em 1992 já era um ator pra lá de consagrado, e portanto interpreta, basicamente, seu papel de... Al Pacino.

O curioso é ver como, ao longo da trilogia, a família Corleone vai se vendo obrigada a se atualizar em sua atuação mafiosa. Jogos, armas e putas, depois drogas, depois a política e a lavagem de dinheiro - e sempre a venda da proteção e a exigência da lealdade. Sim, os banhos de sangue se repetem em cada um dos três filmes (tem sempre um momento "acerto de contas", com vários assassinatos simultâneos), mas os métodos vão se sofisticando com o tempo.

E é justamente isso que parece não acontecer com a questão do tráfico no Rio de Janeiro. As milícias sugerem de fato uma "evolução" do crime mafioso, por não se prenderem a um só produto - ainda por cima ilegal - e por serem mais maleáveis, adaptáveis. Esse modus operandi dos traficantes, com bunkers e territórios demarcados, me parece cada vez mais inviável de sustentar, por ser caro, pesado, pouco prático. Imagino o que será a nova tendência.

16.11.10

Brincando com Beethoven

Não se preocupem. Não vou encher a paciência dos meus 21 leitores falando que Mathilde está com uma tosse terrível que não vai embora e faz com que ela e eu passemos a noite em claro. Tampouco vou ficar aqui escrevendo que Oliver teve suas primeiras cólicas - porque afinal todo mundo sabe o sofrimento que é isso, e esse blogue não é fã de textos autocomiserativos. E muito menos vou ficar aqui me remoendo com o fato de que o pai dessas crianças adoráveis está viajando desde terça passada e só volta de vez no próximo domingo, o que faz com que as coisas fiquem beeeem mais difíceis.
Não, nada disso.
Vou deixá-los com uma das coisas mais incríveis que já vi no YouTube. Um menino de 3 anos regendo Beethoven. E a-do-ran-do. Todo mundo já viu aqueles fedelhos de 2 anos tocando Mozart no piano ou Paganini ao violino, né? Crianças-prodígio abundam, desde que o mundo é mundo. Mas um minimaestro eu confesso que nunca tinha visto. E vejam até o final, pois tem um grand finale.



http://www.youtube.com/watch?v=0REJ-lCGiKU

11.11.10

Agora sim

A foto dos irmãos, registro do primeiro encontro dos dois.

Oliver custou um pouco para chegar, mas quando veio, veio com tudo. A coisa toda aconteceu logo depois da publicação do post abaixo. Ali diz que a hora do post é 18:52, mas esta foi a hora em que comecei a escrever. Depois chegou gente aqui em casa, e só fui terminar e publicar perto das 10 da noite, pouco antes de ir dormir. Até encontrei a Frida Helê no GTalk, ela perguntou como andavam as coisas, eu respondi: acabei de publicar um post, agora vou dormir, nada de novo no front, etc. e tal.

A partir daí, no entanto, os acontecimentos se precipitaram.

Foi Mathilde quem deu início a tudo, e acho que ficaremos sempre na dúvida sobre o que aconteceu, se ela de certa forma "sentiu" que o irmão estava chegando naquela hora, ou se não passou de mera coincidência.

Por acaso, naquele dia (sexta, 29/10) M. veio dormir aqui em casa. (M. trabalha na casa de minha mãe há 34 anos (começou com a função de ser minha babá), e quando Mathilde nasceu ela passou 3 meses morando conosco, para nos ajudar. Desde então, sua ligação com a minha filha é uma coisa linda de se ver, de tão intensamente amorosa.) M. e Mathilde estavam brincando loucamente em casa até bem tarde, só depois das 22h é que a pequena foi dormir, e pouco depois eu também me recolhi. E então aconteceu que por volta das 23h M. veio nos dizer que Mathilde estava febril. E estava mesmo. Ardendo em febre, acima de 39°, enquanto que menos de uma hora antes estava absolutamente normal. Demos um antitérmico, e ela começou a se debater e gritar, como se estivesse sentindo muita dor. Gritava Mamãe! Mamãe!, mas não falava mais nada que fizesse sentido, apenas berrava e levava as mãozinhas à testa, como se estivesse com dor de cabeça. Mas não respondia quando perguntávamos onde doía, apenas balbuciava qualquer coisa e gritava Mamãe! Mamãe!

Eu, que me acho uma pessoa tranquila e desencanada (bah, e quem não se acha?), fiquei nervosa. Chorei com ela no colo. Nunca tinha visto Mathilde daquele jeito, demonstrando tanta dor e sofrimento. A muito custo, conseguimos que ela dormisse, na nossa cama, lá pela meia-noite.
À 1:00 da manhã eu ainda não tinha dormido, estava deitada, quando senti um jato de água quente entre as pernas. Não senti dor nenhuma, e como não era uma quantidade muito grande de água, achei que tinha perdido líquido, mas não cogitei que fosse a bolsa rompendo. Era.

1:30 comecei a sentir uma dor mais forte embaixo da barriga. Doze minutos depois, de novo. Comecei a acompanhar no relógio, e avisei o marido, que tampouco tinha dormido. Depois da quarta vez não tive mais dúvida e não quis mais esperar. Liga pro médico e vamos pra maternidade. Nesse meio tempo, Mathilde meio que acordou, e gemeu mais um pouco, voltando a dormir. Eu já cambaleava quando deixamos Mathilde com M. e descemos para pegar o carro.

Quando ligamos para o médico (2:00) descobrimos que ele já estava na maternidade. Primeira reação: ainda bem! Não vou precisar esperá-lo chegar. Segunda reação: put*a m*erda, ele já está fazendo outro parto! De fato ele já estava lá com outra paciente, mas num trabalho de parto demoradíssimo, que se arrastava por horas e estava longe de acabar. (Uma parturiente que não queria tomar anestesia. Eu hein. A criança só foi nascer às 6 da manhã, e passou os dois dias seguintes chorando furiosamente. O andar todo ouvia.)

No carro a caminho da maternidade, um toque especial. O rádio, sempre sintonizado na MEC FM, tocava o Concerto para Cravo de Manoel de Falla, uma peça que marido e eu ouvíamos muito no início do nosso namoro, e que eu não ouvia há uns dez anos, no mínimo. A propósito, uma música linda.


Chegamos à maternidade umas 2:30 da manhã. Fui para uma salinha de exame, e uma plantonista esquisita, com cara de punk dopada e que certamente estava dormindo numa sala de repouso até 2 minutos antes, constatou 3cm de dilatação e fez comentários no mínimo curiosos enquanto eu berrava de dor. ("Ih, meu bem, tá doendo tanto assim quando eu encosto aqui? Nossa, que estranho!" -- uma coisa super apropriada a se dizer.)

Fui colocada num elevador, e as enfermeiras me conduziram até um vestiário, onde tirei a roupa e pus um avental. Nesse ponto, estava sentindo uma dor inenarrável. Fui para a sala de pré-parto, onde encontrei marido (que ficara na recepção resolvendo burocracias de internação) e, para grande felicidade, o doutor M. A felicidade só não foi maior porque descobri que a louca que já estava em trabalho de parto desde o meio-dia não queria anestesia (por quê, Senhor, por quê?!), portanto a equipe médica toda já estava lá, exceto o anestesista. As contrações já estavam acontecendo a intervalos muito pequenos, eu me sentia num estado quase permanente de dor incrível, o corpo todo retesado procurando alguma espécie de alívio, que não vinha.

Então, entra o anestesista.

A partir desse ponto, tudo muda radicalmente de perspectiva. De "pára o mundo que eu quero descer; não aguento mais; alguém me mata, por favor", passamos para "ah, que legal, meu filho vai nascer; vamos lá, pessoal; nossa, que maneiro isso tudo". Depois me disseram que quando há rompimento da bolsa a dor é muito maior, é o chamado "parto seco". Com Mathilde a bolsa não rompeu, e a água de certa forma ameniza a dor das contrações. Quando ela nasceu, lembro de ter sentido muita dor, mas não lembro de ter sido tão intensa assim. Por outro lado, dizem que a gente só decide ter um segundo filho porque a memória seletiva trata de apagar a lembrança da dor do primeiro.

(Parêntese para a inevitável digressão sobre o assombro das mulheres que têm uma penca de filhos sem anestesia, desde que o mundo é mundo. Fico pensando naquelas que, por circunstâncias diversas, têm seus filhos sozinhas, em lugares isolados, ou no meio do mato. Isso, minha gente, é empoderamente feminino. Uma mulher capaz de dar à luz sozinha é capaz de qualquer coisa. Mesmo.)

Depois foi muito rápido. Logo nos mudamos para a sala de parto porque a dilatação já estava em 9cm (o máximo é 10). A parte da expulsão (o clássico momento "Força!" que o cinema tanto gosta de usar para representar um parto) foi tão rápida que quando colocaram o bebê no meu colo, às 4:10 da manhã de sábado, dia 30/10, eu lembro de ter ficado atordoada: como assim? já?!

E foi assim que, no segundo turno da eleição 2010, eu não votei para presidente.