21.1.10

A arte quase perdida da gentil correspondência


Quando recebi, na loja de sucos da esquina, o suco de laranja com acerola, com açúcar, no copo de vidro, depois de ter pedido um suco de laranja com cenoura, sem açúcar, pra viagem, me lembrei de meu chefe. O überchefe (= dono da editora).

Tenho minhas admirações pelo überchefe, e uma delas é que ele domina a arte da correspondência. Fico boba de ver como ele consegue mandar e-mails dando notícias em tese más (desistimos de publicar este livro que tínhamos contratado, ou não vamos mais manter este título em catálogo, ou não vamos publicar este livro que você enviou para nossa análise) e mesmo assim falar de um jeito que as pessoas respondem felizes, misteriosamente. Tem um quê de galanteador, tem um quê de dar a impressão que a pessoa é tão importante que ele fica de fato arrasado de dar uma notícia como aquela. E tudo isso sem embromação: são mensagens curtas, mas com alta concentração de gentileza por linha.

E aí que um dia estávamos conversando sobre isso, mensagens por e-mail, e ele explicou que só escreve parágrafos curtos, de frases curtas, e com um espaço duplo entre os parágrafos. Porque, segundo ele, não dá para contar com a capacidade das pessoas de absorver informações. Coisa que ele aprendeu ainda jovem, quando frequentava o Gordon*.

Na fila do Gordon, ele sempre pedia: um milkshake pequeno de chocolate. Imediatamente o/a atendente virava para cozinha e gritava: Morango! E foi assim, com a repetição sistemática desse fenômeno, que ele conclui que a capacidade média do ser humano era de processar no máximo 2 informações: 1. milkshake; 2. pequeno. A terceira (chocolate) se perdia invariavelmente.

Tenho tentado colocar em prática, em meu dia a dia profissional. E, ora, não é que funciona? Funciona a concisão, sim. Mas acima de tudo, funciona a coisa da gentileza. Sei lá, acho que as pessoas andam tão preocupadas em ser duronas e super profissionais, que quando você manda um pequeno elogio, ou mesmo algo um pouco mais caloroso, "thank you so much for your amazing patience on this matter" (para assuntos encrencados que se arrastam), "we appreciate the opportunity granted" (na hora de dizer que não), ou um simplérrimo "have a lovely weekend" (para as sextas-feiras), tudo isso tem um efeito muito maior do que seria razoável supor.

*As crianças não conhecem, mas o Gordon era uma rede de lanchonetes do Rio de Janeiro, que existiu até meados da década de 80, por aí. Concorria principalmente com o Bob's. Que eu me lembre, tinha lojas Gordon em Copacabana e uma no final do Leblon, onde hoje se encontra um recém-falecido McDonald's. A marca do Gordon era um canguru cor de laranja, e nessa loja do Leblon havia um enorme canguru de brinquedo, daqueles de ficha, em que a criança montava e ele balançava para frente e para trás durante alguns minutos. Minha avó morava quase em frente, e eu amava aquele canguruzão.

4 comentários:

Anunciação disse...

Tem toda a razão;já vi gente tomar um susto com um gesto meu de gentileza simples,mas compensa o sorriso e a reciprocidade.A concisão eu preciso aprender.

kellen disse...

Eu sou coordenadora de projetos, para a difícil tarefa, conto sempre com o poder da gentileza. Dá certo sempre, além de ser tão melhor trabalhar assim :)

Cláudio Luiz disse...

Conheci o Gordon.
Apesar de quase não tomar mais, continuo gostando do ovomaltine do Bob's.
Concisão - Gentileza / Concisão - Gentileza / Concisão - Gentileza / Concisão - Gentileza ... gentileza gera gentileza - ops! - lá se foi a consisão. Voltando, Concisão - Gentileza passará ser meu mantra.

NB - o dente já está melhor, não?

anna v. disse...

Concisão pra gente que tem blog é um desafio. Afinal este espaço está aqui em nome da prolixidade.
Cláudio Luiz, o ovomaltine do Bob's é a melhor coisa do mundo. É um presente que eu me dou quando acho que estou merecendo muito.
E sim, obrigada, o dente já está ótimo. Tirei os pontos, tudo 100%.