31.12.10

Votos em fotos

Que em 2011 você possa estar ao lado de quem ama
mas com cuidado para não sufocar ninguém de tanto amor!

Que você possa cantar suas músicas favoritas
na presença de uma boa plateia
de preferência ao lado dos melhores amigos.
Mas se a coisa ficar feia
não hesite em revidar!
Trate bem os animais

Mas principalmente, trate-se bem
pois quando você está de bem com a vida
é possível ser feliz com simplicidade.

Feliz 2011.

23.12.10

Quero uma passagem só de ida para Oslo

Começou o verão, a estação mais superestimada do ano. Não sei que diabo as pessoas veem de tão bom no verão do Rio de Janeiro, cidade onde no inverno a temperatura dificilmente vai a menos de 17ºC, de modos que não se pode nem dizer que a alegria de dezembro e janeiro é um reflexo da tristeza provocada pelo frio de junho e julho.

A única coisa que presta no verão é, como descobriu recentemente a Frida Monix, ir à praia no fim de tarde/noite. Isso é bom mesmo.

Mas fora isso, verão carioca é:
  • Acordar no meio da madrugada para entrar debaixo do chuveiro, tomar uma ducha, e depois voltar pra cama - sem se secar muito.
  • Tomar no mínimo 3 banhos diários.
  • Chegar em casa louca pra tomar banho e constatar que a água fria está morna, porque a caixa d'água passou o dia inteiro cozinhando ao sol.
  • Sair do banho e, ainda enrolada na toalha, enquanto penteia o cabelo em frente ao espelho, sentir o suor já escorrendo pelas costas.
  • Sentir o cabelo grudando na nuca.
  • Ficar meia hora sem fazer nada, com o rosto a 3cm do circulador de ar.
  • Sair na rua e sentir que o ar, de tão espesso, pode ser cortado a faca.
  • Entrar subitamente num banco, só pra sentir o ar condicionado.
  • Sair para tomar um chope à noite e constatar que, à uma da manhã, a temperatura é 35ºC.
  • Aprender o significado da palavra canícula.
  • Constatar que a indústria nacional não dá conta de produzir mais ar-condicionados.
  • Ver a conta de luz chegar à estratosfera.
  • Ir ligando os ventiladores de teto conforme muda de cômodo.
  • Conviver com os bichos do calor: baratas, mosquitos da dengue, bichinhos da luz.

No mais, refresquemo-nos assistindo à inesquecível sequência inicial de Do The Right Thing, de Spike Lee -- a do banho de hidrante:

22.12.10

Doutor Terror


Meu amigo M. é uma dessas pessoas agraciadas com o dom da leveza. Companhia agradabilíssima, ótimo papo, sensibilidade ímpar, ele consegue transitar com leveza pelos assuntos mais pesados. É um cara engraçado, exímio contador de casos, e não por acaso, hoje em dia trabalha com redação de humor.

Alguns anos atrás, M. descobriu que tinha um grave problema neurológico. Alguma coisa como uma bolha no cérebro que se explodisse... bom, já viu. Os amigos ficaram consternados, claro. Entre outras coisas, ele não podia mais jogar futebol ou praticar atividades físicas de maior impacto, nem beber álcool. O tratamento foi longo, e foi um dos momentos em que mais admirei meu amigo, pela maneira com que lidou com um assunto desses. Além de dizer que "a bolha" o havia transformado numa espécie de Renato Villar (ele tem uma cultura televisiva inesgotável), suas narrativas das consultas com o médico eram de chorar de rir: ele só se referia ao neurologista como Doutor Terror, e fazia representações geniais das consultas - que não obstante eram momentos cruciais de sua vida. Como terá deduzido até mesmo o menos perspicaz dos leitores, o Doutor Terror não era um exemplo de otimismo. Tudo para o Doutor Terror era gravíssimo, caso de vida e morte, sua decisão pode alterar o rumo da sua existência, este pode ser o primeiro ano do resto de sua vida, etc. Uma delícia para um cara de então vinte e pouco anos.
.
A situação com "a bolha" se estabilizou, e M. faz até hoje um monitoramento, mas leva uma vida bastante normal. Três anos atrás, casou-se, e em setembro nasceu seu primeiro filho. O menino é uma graça, e se tudo der certo será um bom amigo de Oliver, mas, por uma dessas coisas da vida, o primeiro pediatra que eles arrumaram frequentou a mesma escola de medicina do Doutor Terror. Feito o teste do pezinho, o novo Doutor Terror detectou ali uma forte chance de anomalia gravíssima, que eles se preparassem para uma vida de provações etc. (Eu contando não tem graça, mas a versão dele é ótima.) Acabou que eles refizeram o teste e não havia nada de anormal com o moleque, que está em perfeita forma.

Todo esse nariz-de-cera foi para dizer que ontem conhecemos mais um egresso da escola do terror, divisão pediatria. Oliver teve uma febre de 38.5º, que não passou apesar do antitérmico. Levamos à pediatra, que fez um exame clínico e não detectou nada de errado. "Deve ser uma virose", disse ela. "Mas com um bebê dessa idade, não dá para esperar e observar o que acontece. Como ele é muito pequeno, temos a obrigação de passar um pente fino e checar que tudo está ok." Pente fino significa hemograma completo, exame de urina, raio-X do tórax.
Seguimos para a emergência do hospital, onde pudemos fazer todos os exames de uma só vez e ter os resultados na hora. Foi então que encontramos nossa versão do Doutor Terror -- vamos chamá-lo Dr. Jekyll, porque, cúmulo dos cúmulos, o nome dele é quase esse mesmo, um nome estranho à beça. Depois do cadastro na recepção e da triagem feita pela enfermeira (aferindo temperatura, pulsação etc.), entramos na saleta de exames. Lá estava o Dr. Jekyll -- muito alto (em torno de 1.90m), meio curvado, magro, olhos azuis e nariz adunco, cabelo bem curto. Jovem, não deve ter nem 40 anos. Auscultou Oliver, olhou com aquela lanterninha dentro dos ouvidos, usou o abaixador de língua colorido dos pediatras para ver a garganta, e proferiu a primeira de suas frases memoráveis:
-- "Um bebê dessa idade não tem o direito de fazer febre!" (já repararam que médicos falam "fazer febre", e não "ter febre"?).
E prosseguiu barbarizando, o dedo em riste.
-- "Numa criança de menos de 3 meses, a febre é um alerta máximo".
Eu e marido não tivemos tempo de articular um "Mas doutor...". Ele continuou o ataque.
-- "Vocês sabem que, se der alguma alteraçãozinha nesses exames, a recomendação é internar, com soro intravenoso, não sabem? Hein, hein?"
-- ????!!!!
-- "Ela (a pediatra de Oliver) não disse isso a vocês?"
-- Gasp!
-- "Vamos ter que fazer todos os exames, e o bebê é que vai ter que nos provar que está tudo bem."
Deu-nos as costas e foi andando. Marido e eu trocamos olhares do mais puro espanto.
-- "Não tem o direito!", ele repetia.

Afinal fizemos todos os exames, e não vou me estender relatando os detalhes de uma manhã infernal, em que uma febre de 38,5º se desenvolveu numa verdadeira sessão de tortura, incluindo a luta para tirar, de um bebê de um mês e meio, sangue em quantidade suficiente para todos os exames -- uma cena difícil de aturar até para as mais estoicas das mães.

Quando voltamos a encontrar o Dr. Jekyll, eles nos saudou:
-- Tenho uma ótima notícia. O resultado do hemograma foi um quadro altamente viral.
-- Ahn. (Pausa) Ahn?
-- Não tem bactéria, não é infecção. Só mesmo uma virose. Observação doméstica.

(A propósito: a febre já sumiu, o garoto está ótimo, novo em folha -- que é mesmo o que ele é.)

16.12.10

Brâmane de livro

Não costumo achar muita graça nessa moda de listas de melhores isso ou aquilo. Mas esta semana, lá na casa das Fridas, tinha um post perguntando "Qual é o seu clássico", e me deu vontade de reproduzir aqui uma série de perguntas roubada de uma newsletter que assino (sobre livros e mercado livreiro americano) chamada ShelfAwareness. É uma coluna semanal chamada "Book Brahmin", em geral com algum escritor. As perguntas são sempre as mesmas, que vou responder abaixo e gostaria de saber as respostas de quem se animar, na caixa de comentários.

Na sua mesa de cabeceira neste momento
Beijo, de Roald Dahl (Editora Barracuda) - ganhei de aniversário de minha amiga T. É um livro de contos sinistros do autor de A incrível fábrica de chocolates. Estou gostando, mas nada de tão especial.

Seu livro favorito quando você era criança
Todos da Turma dos Sete, de Enid Blyton; Flicts, do Ziraldo.

Seus cinco autores favoritos
Só cânone: Rosa, Machado, Drummond, Nelson, Simenon. Esses são os de ficção, que mais naturalmente associamos ao conceito de "autor". Mas também considero grandes estilistas das palavras outros caras mais vinculados a outras áreas do saber: Freud, Sartre, Nietzsche. São imensos escritores, e acho que suas obras só chegaram aonde chegarem por obra e graça do talento literário.

Livro que você não leu mas fingiu que leu
A biografia da Hannah Arendt que a tia do meu marido me emprestou. Era interessante e tal, mas não consegui ler (era enorme, meio árido, e eu não estava no espírito para aquela leitura), e depois que eu devolvi - e disse que gostei, claro - ela ficou um tempão comentando e puxando assunto comigo sobre o livro.

Livro que você divulga com fervor messiânico
Pilares da terra, de Ken Follett; Dois irmãos, de Milton Hatoum; e Equador, de Miguel Sousa Tavares.

Livro que você comprou só por causa da capa
Diálogos com Leucó, de Cesare Pavese. Acho que foi o deslumbramento com o início da coleção Prosa do Mundo da Cosac Naify, tudo de capa dura e sobrecapa, e talz.

Livro que mudou a sua vida
Nietzsche. Genealogia da Moral e Além de Bem e Mal. Porque, né.

Frase favorita tirada de um livro
"Perdoa-me por me traíres", de Nelson Rodrigues. É não só uma frase como o nome da peça, e é um achado em termos de economia de palavras e carga dramática. Quanta coisa está dita nessas poucas palavras.

Livro que você mais gostaria de ler de novo pela primeira vez
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Porque nunca um livro me emocionou tanto.


(E por falar em livros, dei uma atualizada nos títulos do sebinho, aqui ao lado.)

13.12.10

Tinker Bell é o cacete!

Não sei se foi em todo o Brasil, mas alguns anos atrás, perto do dia 31 de outubro, surgiram no Rio de Janeiro diversos cartazes colados pela cidade com os dizeres "Halloween é o cacete! Viva a cultural nacional!". Eram assinados por um tal MV-Brasil, e na época fizeram sucesso, popularizando o slogan -- que até hoje é lembrado, apesar de os cartazes terem sumido.

Eu acho Halloween uma besteira, quem quiser que comemore, mas muito mais me incomoda ver por todo canto "Sale", "Delivery" e desodorante com hair minimizer ou xampu com memorizer. Eu hein. Não sou contra os estrangeirismos. Só abomino as apropriações indébitas.

Agora que tenho uma filha de quase 3 anos tem me incomodado sobremaneira o estrangeirismo nos nomes dos personagens de desenhos animados. Por terem se tornado marcas registradas, essas criações hoje precisam ter, por contrato, o mesmo nome no mundo inteiro. Já era revoltante o suficiente que existissem os Backyardigans (que noutros tempos teriam sido A Turma do Quintal sem maiores problemas) ou o High School Musical. Mas esses, enfim, já chegaram aqui com esses nomes, assim como Charlie & Lola ou nossa querida Peppa Pig. Mas agora, o que é pior, estão alterando nomes já consagrados no Brasil!

Eu deveria ter desconfiado quando o Ursinho Puff virou Pooh. Mas enfim, Puff, Pooh, é quase a mesma coisa. E o Tigrão, o Leitão, o Coelho e o Ió permaneceram inalternados. Mas só me dei conta do processo quando percebi que a boa e velha Fada Sininho do Peter Pan virou... Tinker Bell!

Tudo faz parte dessa nova, digamos, tendência de criar "coletivos" de personagens. Primeiro foram As Princesas. Elas surgiram como um grupo autônomo, apesar de Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida, Ariel e Bela nunca teram habitado a mesma história, o mesmo século, ou o mesmo reino. O sucesso foi tão estrondoso que depois surgiram As Fadas. Diferente d'As Princesas, As Fadas não existiam antes em outras histórias (não é a reunião da Sininho com a Fada Madrinha da Cinderela e da Fada Azul do Pinóquio, o que seria engraçado); são todas personagens recentes, amigas da Sininho e habitantes do reino das fadas. Sem entrar no mérito de serem todas fadinhas gostosas, bem torneadas, aventureiras, inteligentes, românticas etc, o relevante aqui é que, agora que assumiu um novo status, tem sua própria turma de amigas e estrela filmes próprios, Sininho agora se chama Tinker Bell! E nos desenhos, seus amigos a chamam de Tinkie - isn't that cute?

Isso me deixa não só revoltada como desgostosa. Fora o inconveniente de ter de explicar a Mathilde que sim, aquela é a Fada Sininho, apesar de a chamarem de Tinkie (e pra confundir ainda mais, minha mãe a chama de Fada Tlin-Dlin, que era o nome brasileiro nos anos 50), fica o pesar por tanta riqueza que se está perdendo com essa estúpida padronização mundial de nomes.

Tradução de nomes de personagens ficcionais não é coisa simples nem corriqueira. Envolve muita ciência e uma boa dose de brilhantismo. Vasta literatura já foi escrita em torno dos nomes, no Brasil, dos personagens e lugares de Harry Potter ou do Senhor dos Anéis. Mas o mais triste é ver como se perde a chance de adicionar uma certa brasilidade a esses universos imaginários. Se fossem lançados hoje em dia, teríamos o Uncle Scrooge e não o Tio Patinhas. Goofy, e não Pateta. Magica De Spell em vez da genial tradução Maga Patalógica, um trocadilho sensacional com "patológica". Imagine os Beagle Boys, e não os Irmãos Metralha! Ainda no universo de Patópolis (Duckburg) há ótimas soluções de tradução: Mancha Negra (Phantom Blot), o brasileiríssimo João Bafo-de-Onça (Black Pete), Huguinho, Zezinho e Luizinho (Huey, Dewey e Louie), Peninha (Fethry Duck), Margarida (Daisy) etc.

Mas não só aos personagens Disney se resumem as boas traduções. Os Looney Tunes estão entre os meus favoritos neste quesito. A começar pelo melhor de todos: Pernalonga - no original, Bugs Bunny. Ora, Bunny = coelho e Bug é ao mesmo tempo "inseto" e o verbo perturbar, incomodar (justamente como um inseto zumbindo no ouvido). O Pernalonga é precisamente isso: um coelho que enche o saco. Daí que os tradutores decidiram abrir mão da parte do coelho (Bunny) e focar no inseto que perturba, o pernilongo, ao mesmo tempo remetendo a uma característica física do personagem, que são as pernas compridas. Absolutamente genial! Já o Porky Pig também perdeu a referência ao porco para virar apenas Gaguinho. Hortelino Troca-Letras é outro que teve o nome brasileiro completamente desvinculado do original americano (Elmer Fudd) para ser fiel a uma característica do personagem. Personagens como Frajola e Piu-Piu (Sylvester e Tweety) tiveram seus nomes trazidos para a realidade brasileira. Outros foram simplesmente adaptações inteligentes: Road Runner> Papa-Léguas; Speedy Gonzalez> Ligeirinho.

Lamento imensamente que isso não mais ocorra com os desenhos animados de hoje em dia. Acho triste que, por razões comerciais, minha filha tenha entre seus ídolos bichos chamados Tasha, Austin, Tyrone, Pablo e Uniqua (que aliás nem bicho é - acho eu). Mais triste ainda é que essa verdadeira arte da tradução dos nomes tenha caído em desuso. Saudades de Penélope Charmosa, Dick Vigarista e Rabugento.

10.12.10

27.11.10

O Circo chegou


Vejo toda essa comoção em torno da ação da polícia na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão como um grande circo. Um espetáculo midiático como outros que já ocorreram por aqui. A diferença positiva desta vez é que todo o show vem a reboque de uma política de segurança já em implantação há alguns anos, as UPPs. Que têm problemas, claro, que têm de ser pensadas para além de sua implantação, que merecem um olhar crítico, mas que, daqui do minha pequena ilha da fantasia em Botafogo, me parece a melhor política de segurança que o Rio tem em décadas. E pelo simples motivo de ser uma ação contínua, e não pontual. Por isso é que o grande ataque desta semana, o "Dia D" (e que incrível cara de pau do jornal O Globo de colocar ontem no texto da primeira página uma comparação com o desembarque das tropas aliadas na Normandia!), não me comove. Os 450 policiais vão e vêm, bem como os 800 soldados do exército. Nada disso vai mudar a situação significativamente enquanto o Estado não for uma presença constante e rotineira na vida de todas as pessoas.
Mas que diabo, estou a falar obviedades.

Melhor então falar sobre os filmes que tenho visto em casa, durante esse meu período de resguardo. Nos últimos anos fui tão pouco ao cinema, e tenho tão pouco hábito de ver filmes em casa (seja no DVD, no computador ou na TV), que não falta filme para eu correr atrás. Nas últimas semanas vi Bastardos Inglórios, Gran Torino e até o filme sobre a criação do Facebook (A Rede Social), que me pareceu uma loucura total, porque acho surreal que uma bobagem como Facebook valha esse tipo de dinheiro. (Call me old fashioned, paciência.)

Mas, fazendo um paralelo com o primeiro parágrafo deste post, o que vi também na semana passada foi a trilogia O Poderoso Chefão.


(Parêntese para clamar pela desnaturalização desse título brasileiro, essa absurda tradução para The Godfather. O Poderoso Chefão é o tipo de título traduzido que achamos que existe em Portugal e damos gordas gargalhadas com a falta de noção reinante. Mas não. Lá o filme se chama O Padrinho, é claro! E aqui, O Poderoso Chefão. Chefão, amigos, prestem atenção, que aumentativo mais ridículo para um título de filme desse calibre!)

Mas tergiverso. Não sei bem por que resolvi pegar o filme, acho que li algo sobre como foi o único caso em que um filme e sua sequência ganharam ambos o Oscar de melhor filme. Já tinha visto a Parte I há muitos anos, mas não lembrava de nada, a não ser de algumas cenas isoladas, como a morte de Don Corleone na plantação de tomates. Então sentei com vontade para encarar as 3 horas de filme, e para mim não resta dúvida de que se há um filmaço na trilogia, é o primeiro. Lançado em 1972, com Marlon Brando roubando totalmente a cena como Don Vito Corleone. Na verdade, basta a primeira sequência do filme para te deixar boquiaberto. É uma tomada longa, em que um personagem secundário conta uma história triste para o Don Corleone e pede sua ajuda para fazer justiça. Tudo é carregado no chiaroscuro, e a câmera vai abrindo até aparecer a mão do Marlon Brando, e em seguida todo ele, visto de trás. Uma beleza.

Mesmo assim, tem umas partes que eu, na minha suprema ignorância cinematográfica, achei meio longas demais (como a temporada que o Al Pacino passa na Sicília, ou a terrível sequência do produtor de Hollywood com o Robert Duvall).

O Poderoso Chefão II, de 1974, sofre muito com a ausência de Marlon Brando. Confesso que, nas 3 horas e meia do filme, acabei me aborrecendo um pouco com o personagem principal (Al Pacino) e sua eterna angústia e rancor em relação ao mundo. A sorte é a parte em flashback, que conta um pouco da história do jovem Vito Corleone, interpretado por Robert DeNiro, um bálsamo. Sim, naturalmente é ótimo um filme que sugere mais do que mostra, e que te dá coisas para pensar depois que termina a projeção, mas quando o filme acabou fiquei cheia de perguntas por responder (afinal, qual era o grande lance da presença do irmão do Frank Pentangeli no julgamento do Michael? como o jovem Vito sobreviveu sozinho em Nova York com 9 anos de idade em 1901? e principalmente, como ele passou de jovem trabalhador de mercearia a capo? só fazendo pequenos roubos com o Clemenza?! Fantucci não trabalhava sozinho, como pode não ter havido reação a seu assassinato?). Achei este o mais cansativo dos três filmes.



O Poderoso Chefão III, de 1992, é quase uma paródia. A crítica incensa a parte 2 como obra de arte e essa parte 3 como desprezível, mas eu confesso que esta última me entreteve mais. Tem a participação da Sofia Coppola como atriz, que é tão ruim, mas tão ruim, que chega a ser divertido. Tem também o Andy Garcia, que é tão caricato que a gente até esquece do filme e se concentra só em observar como ele é bonito. E, claro, tem o Al Pacino, que em 1992 já era um ator pra lá de consagrado, e portanto interpreta, basicamente, seu papel de... Al Pacino.

O curioso é ver como, ao longo da trilogia, a família Corleone vai se vendo obrigada a se atualizar em sua atuação mafiosa. Jogos, armas e putas, depois drogas, depois a política e a lavagem de dinheiro - e sempre a venda da proteção e a exigência da lealdade. Sim, os banhos de sangue se repetem em cada um dos três filmes (tem sempre um momento "acerto de contas", com vários assassinatos simultâneos), mas os métodos vão se sofisticando com o tempo.

E é justamente isso que parece não acontecer com a questão do tráfico no Rio de Janeiro. As milícias sugerem de fato uma "evolução" do crime mafioso, por não se prenderem a um só produto - ainda por cima ilegal - e por serem mais maleáveis, adaptáveis. Esse modus operandi dos traficantes, com bunkers e territórios demarcados, me parece cada vez mais inviável de sustentar, por ser caro, pesado, pouco prático. Imagino o que será a nova tendência.

16.11.10

Brincando com Beethoven

Não se preocupem. Não vou encher a paciência dos meus 21 leitores falando que Mathilde está com uma tosse terrível que não vai embora e faz com que ela e eu passemos a noite em claro. Tampouco vou ficar aqui escrevendo que Oliver teve suas primeiras cólicas - porque afinal todo mundo sabe o sofrimento que é isso, e esse blogue não é fã de textos autocomiserativos. E muito menos vou ficar aqui me remoendo com o fato de que o pai dessas crianças adoráveis está viajando desde terça passada e só volta de vez no próximo domingo, o que faz com que as coisas fiquem beeeem mais difíceis.
Não, nada disso.
Vou deixá-los com uma das coisas mais incríveis que já vi no YouTube. Um menino de 3 anos regendo Beethoven. E a-do-ran-do. Todo mundo já viu aqueles fedelhos de 2 anos tocando Mozart no piano ou Paganini ao violino, né? Crianças-prodígio abundam, desde que o mundo é mundo. Mas um minimaestro eu confesso que nunca tinha visto. E vejam até o final, pois tem um grand finale.



http://www.youtube.com/watch?v=0REJ-lCGiKU

11.11.10

Agora sim

A foto dos irmãos, registro do primeiro encontro dos dois.

Oliver custou um pouco para chegar, mas quando veio, veio com tudo. A coisa toda aconteceu logo depois da publicação do post abaixo. Ali diz que a hora do post é 18:52, mas esta foi a hora em que comecei a escrever. Depois chegou gente aqui em casa, e só fui terminar e publicar perto das 10 da noite, pouco antes de ir dormir. Até encontrei a Frida Helê no GTalk, ela perguntou como andavam as coisas, eu respondi: acabei de publicar um post, agora vou dormir, nada de novo no front, etc. e tal.

A partir daí, no entanto, os acontecimentos se precipitaram.

Foi Mathilde quem deu início a tudo, e acho que ficaremos sempre na dúvida sobre o que aconteceu, se ela de certa forma "sentiu" que o irmão estava chegando naquela hora, ou se não passou de mera coincidência.

Por acaso, naquele dia (sexta, 29/10) M. veio dormir aqui em casa. (M. trabalha na casa de minha mãe há 34 anos (começou com a função de ser minha babá), e quando Mathilde nasceu ela passou 3 meses morando conosco, para nos ajudar. Desde então, sua ligação com a minha filha é uma coisa linda de se ver, de tão intensamente amorosa.) M. e Mathilde estavam brincando loucamente em casa até bem tarde, só depois das 22h é que a pequena foi dormir, e pouco depois eu também me recolhi. E então aconteceu que por volta das 23h M. veio nos dizer que Mathilde estava febril. E estava mesmo. Ardendo em febre, acima de 39°, enquanto que menos de uma hora antes estava absolutamente normal. Demos um antitérmico, e ela começou a se debater e gritar, como se estivesse sentindo muita dor. Gritava Mamãe! Mamãe!, mas não falava mais nada que fizesse sentido, apenas berrava e levava as mãozinhas à testa, como se estivesse com dor de cabeça. Mas não respondia quando perguntávamos onde doía, apenas balbuciava qualquer coisa e gritava Mamãe! Mamãe!

Eu, que me acho uma pessoa tranquila e desencanada (bah, e quem não se acha?), fiquei nervosa. Chorei com ela no colo. Nunca tinha visto Mathilde daquele jeito, demonstrando tanta dor e sofrimento. A muito custo, conseguimos que ela dormisse, na nossa cama, lá pela meia-noite.
À 1:00 da manhã eu ainda não tinha dormido, estava deitada, quando senti um jato de água quente entre as pernas. Não senti dor nenhuma, e como não era uma quantidade muito grande de água, achei que tinha perdido líquido, mas não cogitei que fosse a bolsa rompendo. Era.

1:30 comecei a sentir uma dor mais forte embaixo da barriga. Doze minutos depois, de novo. Comecei a acompanhar no relógio, e avisei o marido, que tampouco tinha dormido. Depois da quarta vez não tive mais dúvida e não quis mais esperar. Liga pro médico e vamos pra maternidade. Nesse meio tempo, Mathilde meio que acordou, e gemeu mais um pouco, voltando a dormir. Eu já cambaleava quando deixamos Mathilde com M. e descemos para pegar o carro.

Quando ligamos para o médico (2:00) descobrimos que ele já estava na maternidade. Primeira reação: ainda bem! Não vou precisar esperá-lo chegar. Segunda reação: put*a m*erda, ele já está fazendo outro parto! De fato ele já estava lá com outra paciente, mas num trabalho de parto demoradíssimo, que se arrastava por horas e estava longe de acabar. (Uma parturiente que não queria tomar anestesia. Eu hein. A criança só foi nascer às 6 da manhã, e passou os dois dias seguintes chorando furiosamente. O andar todo ouvia.)

No carro a caminho da maternidade, um toque especial. O rádio, sempre sintonizado na MEC FM, tocava o Concerto para Cravo de Manoel de Falla, uma peça que marido e eu ouvíamos muito no início do nosso namoro, e que eu não ouvia há uns dez anos, no mínimo. A propósito, uma música linda.


Chegamos à maternidade umas 2:30 da manhã. Fui para uma salinha de exame, e uma plantonista esquisita, com cara de punk dopada e que certamente estava dormindo numa sala de repouso até 2 minutos antes, constatou 3cm de dilatação e fez comentários no mínimo curiosos enquanto eu berrava de dor. ("Ih, meu bem, tá doendo tanto assim quando eu encosto aqui? Nossa, que estranho!" -- uma coisa super apropriada a se dizer.)

Fui colocada num elevador, e as enfermeiras me conduziram até um vestiário, onde tirei a roupa e pus um avental. Nesse ponto, estava sentindo uma dor inenarrável. Fui para a sala de pré-parto, onde encontrei marido (que ficara na recepção resolvendo burocracias de internação) e, para grande felicidade, o doutor M. A felicidade só não foi maior porque descobri que a louca que já estava em trabalho de parto desde o meio-dia não queria anestesia (por quê, Senhor, por quê?!), portanto a equipe médica toda já estava lá, exceto o anestesista. As contrações já estavam acontecendo a intervalos muito pequenos, eu me sentia num estado quase permanente de dor incrível, o corpo todo retesado procurando alguma espécie de alívio, que não vinha.

Então, entra o anestesista.

A partir desse ponto, tudo muda radicalmente de perspectiva. De "pára o mundo que eu quero descer; não aguento mais; alguém me mata, por favor", passamos para "ah, que legal, meu filho vai nascer; vamos lá, pessoal; nossa, que maneiro isso tudo". Depois me disseram que quando há rompimento da bolsa a dor é muito maior, é o chamado "parto seco". Com Mathilde a bolsa não rompeu, e a água de certa forma ameniza a dor das contrações. Quando ela nasceu, lembro de ter sentido muita dor, mas não lembro de ter sido tão intensa assim. Por outro lado, dizem que a gente só decide ter um segundo filho porque a memória seletiva trata de apagar a lembrança da dor do primeiro.

(Parêntese para a inevitável digressão sobre o assombro das mulheres que têm uma penca de filhos sem anestesia, desde que o mundo é mundo. Fico pensando naquelas que, por circunstâncias diversas, têm seus filhos sozinhas, em lugares isolados, ou no meio do mato. Isso, minha gente, é empoderamente feminino. Uma mulher capaz de dar à luz sozinha é capaz de qualquer coisa. Mesmo.)

Depois foi muito rápido. Logo nos mudamos para a sala de parto porque a dilatação já estava em 9cm (o máximo é 10). A parte da expulsão (o clássico momento "Força!" que o cinema tanto gosta de usar para representar um parto) foi tão rápida que quando colocaram o bebê no meu colo, às 4:10 da manhã de sábado, dia 30/10, eu lembro de ter ficado atordoada: como assim? já?!

E foi assim que, no segundo turno da eleição 2010, eu não votei para presidente.

29.10.10

Eu quero votar pra presidente, meu filho!

Isso foi mais ou menos o que eu fiquei dizendo a Oliver durante a última semana. Queria que ele nascesse logo para que no domingo eu já tivesse tido alta e pudesse exercer o tal do dever cívico. Mas de nada adiantou. 40 semanas hoje, e nada de esse menino dar as caras. Agora estou dividida entre querer que ele nasça entre amanhã (ou hoje ainda, que dá tempo!) e domingo, e querer que espere até segunda, virando o mês e emplacando a data-código-binário 01.11.10.

Mas enfim, seguimos na luta. Fiz exames hoje (a trinca ultra-cardio-doppler) e está tudo ótimo, basta apenas que sua-majestade-o-bebê decida que chegou a hora.


Quero votar pra presidente porque é claro, é sempre tão importante votar pra presidente. Mas acima de tudo, quero que esse segundo turno maldito termine logo, o que será um grande alívio. Depois de ter votado em Marina no primeiro turno, vou votar na Dilma no segundo, mantendo uma tradição de votar no PT para a presidência desde a primeira oportunidade(que para mim foi em 1994).


Não tenho qualquer dúvida em votar na Dilma e não no Serra, mas não partilho a empolgação de tantos amigos, e lamento que o segundo turno tenha chegado a radicalismos tão bisonhos (tipo "Serra é uma ameaça à democracia" - ora, me poupem). Na verdade, escolho a continuação da gestão petista como escolhi algumas coisas para a obra recente aqui em casa: custa caro pra caramba, mas, bem, vamos pagar, porque em última instância, vai ser melhor. Então voto porque acho que vai ser melhor pro país, porque acho inegáveis os avanços do governo Lula e quero que eles continuem, mas sabendo que o preço do meu voto são minhas ilusões perdidas, acrescidas de juros de uma porção de coisas com as quais discordo e que fazem parte da linha de governo petista. A balança pendeu para um lado, então vamos em frente. (A menos que. Vocês sabem. Venham "as dores".)


Enquanto isso, nos últimos dois dias me senti menos disposta, mais exaurida. Tudo é um esforço. Dormir, andar, brincar, comer, beber, jogar conversa fora. A pele esticada a níveis inimagináveis, os órgãos todos apertados, a respiração curta. Como já escrevi antes, o design do corpo da mulher deixa muito a desejar nessa hora. A natureza é sábia uma ova. (Essa frase só pode ser de autoria de um homem.)


Comecei a ler Comer, Rezar, Amar, dentro da minha auto-imposta obrigação de ler os best-sellers por interesse profissional. Literatura feminina que vendeu mais de 4 milhões de livro no mundo e virou filme com a Julia Roberts, não exatamente o tipo de livro que se possa desprezar, para quem trabalha nesse mercado. Mas estou achando meio chato. Gostei da primeira parte, o "Comer", que se passa na Itália. Mas agora que estou no "Rezar", na Índia, a coisa empacou de vez. E mal cheguei à metade do livro (que é grande para os padrões bestsellerísticos). Ainda falta todo o "Amar", na Indonésia. A autora é prolixa demais, rola uma blablabla sem fim que eu não estou podendo.


Então fui à locadora (sim, eu ainda sou do tipo que vai à locadora!) esta semana, e peguei Linha de Passe, do Walter Salles, e A Fita Branca, do Michael Haneke. Gostei dos dois. Linha de Passe não é tão impactante, não é opulento, mas é sincero e funciona bem na transmissão de um momento na vida dos personagens, todos tão verossímeis. Já A Fita Branca (que peguei porque amei Caché, do mesmo diretor) é mais confuso, literalmente - o filme é p&b e por vezes não consegui distinguir alguns personagens. Tem um monte de crianças super parecidas, com roupas semelhantes, e os adultos também se parecem, de modos que ficou difícil às vezes entender quem estava fazendo o quê. Mas gostei do filme, tem aquele climão bergmaniano norte-europeus-moralistas-de-fachada-mas-no-fundo-ultra-reprimidos-e-problemáticos. É daqueles filmes dos quais, nas CNTP, a gente sai direto para o chope, para discutir e conversar a respeito - uma das coisas boas da vida.


No mais, estamos sem TV, só na base dos DVDs. Marido teve um raro acesso de fúria com a Net e cancelou o serviço, a despeito de todo aquele chororô e atendimento VIP (com direito a enormes descontos) que rola depois que você decide cancelar. A tudo ele resistiu estoicamente ("eles acham que é assim, te oferecem 50% do preço por seis meses, como se fosse uma cenoura na frente do cavalo"), e eu dou todo o apoio. Como nosso humilíssimo prédio não possui antena, não pega nem a TV aberta - de modos que nossos planos para hoje à noite são assistir ao último debate pelo rádio. Ou não.

Outras notícias em breve. A menos que. Vocês já entenderam.

23.10.10

Fotos de Oliver e Mathilde

Ha. Enganei vocês com este título. Mas a situação continua nesse pé. Oliver lá dentro, nós aqui fora, esperando. E fotos da barriga são como congelamento de cordão umbilical e livro do bebê: fez para o primeiro filho, tem de fazer para o segundo também. Não tenho irmãos, não sei bem como lidar e não quero começar logo com esses traumas de rivalidade fraterna. De modos que. Fizemos a sessão de fotos com minha madrinha fotógrafa.


No mais, não há muito mais. 39 semanas. A lua mudou e nada aconteceu. Andei bastante, fiquei muito em pé, e não adiantou nada. Próximo passo é comer comida apimentada, tomar chá de canela e gengibre. E sexo também, dizem que acelera, mas pelamordedeus, tem uns impedimentos anatômicos bem desconfortáveis.

Então tenho ficado em casa, e Mathilde está a-man-do ter a mãe e o pai por perto o tempo todo. Está tão alegre e fofa. Na sessão de fotos, revelou-se uma estrela nata. Inibição zero. Posou, tirou a roupa, acatou todas as instruções, um arraso. Tudo de Oliver já está pronto. Malas feitas, fraldas a postos, berço arrumado, bebê conforto montado.

O que me resta é ler e tentar arrumar meus livros na estante. Já li o novo Ken Follett, e embora não seja tão sensacional quanto Pilares da terra, é um livraço (em todos os sentidos, incluindo as mais de 900 páginas). Os últimos 30% do livro são a melhor parte, de modos que no finalzinho fiquei lendo até as 5 da manhã para terminar. Morri de pena de saber que o segundo volume da trilogia O século (sobre o séc. XX) só sai em 2012. Assim como em Pilares e Mundo sem fim, Follett escreve um novelão com diversos núcleos que vão se entrecruzando ao longo da história, alternando fatos e personagens reais aos fictícios. Neste Queta de gigantes, são 5 famílias (inglesa, americana, galesa, alemã e russa) vivendo as transformações dos anos 10 e 20 (Primeira Guerra Mundial, Revolução Russa, Entre-guerras. Fala bastante sobre a luta das sufragistas pelo direito de voto das mulheres, o que é um aspecto bem interessante. E, claro, sobre a luta de classes e a diplomacia internacional, como era de se esperar.) Não espere grandes sacadas literárias. É ficção comercial de alto nível, com um detalhamento de pesquisa história formidável.

É claro que antes de sair de férias e licença separei, no trabalho, alguns arquivos de manuscritos que quero ler (livros cujos direitos de tradução para o Brasil estão disponíveis). Um deles foi um livro de memórias do Rob Lowe, vejam vocês. Não que eu ache que devamos publicar no Brasil as memórias do senador McAllister de Brothers & Sisters, mas é que fui tão fã dele na minha adolescência, que quis conferir, por interesse pessoal. O manuscrito não está nem terminado, só foram disponibilizadas as primeiras 150 páginas, mas é muito acima da média desse tipo de livro. Não sei quem o auxiliou na redação, quem foi o ghost, mas é alguém muito bom. O trecho termina com as filmagens de Vidas Sem Rumo, primeiro filme de Lowe (aos 18 anos). Ele já começou como protagonista, e dirigido pelo Coppola. Nossa, foi um mega flashback, lembro muito desse filme. Apesar de ter sido lançado nos EUA em 1983, eu devo ter visto pelos idos de 1988, 89, por aí, no auge da minha fase tiete de Tom Cruise e Rob Lowe (pôsteres colados na parede e tudo). E Vidas Sem Rumo, além de Cruise e Lowe, tem mais uma penca de gatinhos: Patrick Swayze, Emilio Estevez (que é simplesmente a cara do pai, Martin Sheen, que por sua vez, pouco tempo antes quase tinha sucumbido durante das filmagens de Apocalipse Now, do mesmo Coppola*), Matt Dillon pré-Selvagem da Motocicleta (outro filme de Coppola), Ralph Macchio pré-Karate Kid e Thomas Howell. O resultado é que fiquei escarafunchando o YouTube vendo trechos do filme adolescente sobre as disputas entre os rebeldes e os mauricinhos de Tulsa, Oklahoma, nos anos 50. Outra madeleine.

Fora os livros, consegui ir ao cinema uma vez, numa quinta-feira às 14h, ver Tropa de Elite 2. Já tinha gostado do 1º filme (que vi grávida de Mathilde), e achei este ainda mais fantástico - menos violento, mas ainda mais brutal, pela complexidade do assunto. É daquelas obras que te fazem sentir vivendo num reino da fantasia, num mundinho à parte, totalmente descolado da realidade da sua própria cidade. Filmaço.
(Mais engraçado foi descobrir que uma colega de trabalho mora num prédio na Lagoa, cujo síndico é ninguém menos que Rodrigo Pimentel, o real Capitão Nascimento - e autor dos livros e roteirista dos filmes. Diz ela que depois que ele assumiu o cargo, o prédio ficou um brinco. Ninguém mais pára nas vagas erradas - que são poucas e costumava dar a maior briga entre os vizinhos -, ninguém mais faz barulho tarde da noite, ninguém mais prende o elevador etc. Achei a situação surreal e hilária.)



Então por enquanto é isso. Dicas de livros e filmes serão bem-vindas. Hoje é sábado, e domingo me parece um excelente dia para nascer, pois não? Já passamos pela segunda data cabalística do mês (depois de 10.10.10, foi 20.10.2010) e já perdemos a oportunidade de ter mais um libriano na família. (Não entendo nem acredito em horóscopo, mas confesso que ter um bicho peçonhento como escorpião à guisa de signo não me parece muito entusiasmante.)


Se der, volto a escrever aqui antes do nascimento, a respeito da frustrante experiência que passei para comprar um presente para Mathilde - o tal presente que o irmãozinho vai trazer, recomendado por tanta gente como forma de amenizar as tendências fratricidas.



16.10.10

Fermata

A Fermata, na notação musical, significa que uma nota (ou pausa) deve ser sustentada por mais tempo do que o indicado. A duração é indefinida, fica a cargo do intérprete. Em geral, é aquela hora em que o pianista respira, levanta os pulsos, antes de atacar a seção seguinte.

38 semanas, firme e forte. Compasso de espera. Doutor acha que será na semana que vem. Eu também acho.

A casa está quase pronta. O novo mármore da bancada da cozinha, quando foi cortado com a maquita para encaixar as tomadas, provocou na casa inteira uma nuvem de pó de mármore que se arrasta por vários dias e resiste a sucessivas faxinas. Mas ficou bom, e quero crer que um dia ficará tudo limpo. Temos um novo armário, para fazer as vezes de despensa. O filtro foi substituído por um desses modernos "purificadores de água", que têm refrigeração e portanto evitam que se abra a geladeira para pegar água.

Mas principalmente, fizemos uma mega-arrumação, daquelas de rever conceitos, como mudar as coisas de lugar (não os móveis, mas as coisas e seus lugares nas estantes e armários) e principalmente jogar muita, mas muita coisa fora. É como se a casa tivesse feito uma cirurgia de redução de estômago e perdido 40kg. Ficou, por assim dizer, mais magra.
Minhas coleções de revistas (Nossa História, Bravo, EntreLivros)> doadas para a creche de Mathilde, para virar matéria-prima de trabalhinhos de colagem.
Pastas e mais pastas com extratos bancários de contas encerradas em 2003, comprovantes de pagamento de provedor de acesso à internet de 2000, boletos quitados de plano de saúde de 2002> lixo.
Peças antigas de computadores arcaicos> lixo.
Joguinhos de xícaras de café e potinhos de sorvete que ganhamos no chá-de-panela em 2005 e nunca usamos> doados.
E roupas, muitas roupas. Sapatos. Chapéus. Sobretudos e luvas de lã já há muito substituídos por itens mais recentemente adquiridos> doados.
E os livros, ainda em processo de depuração. Mas pode olhar aqui ao lado, no Mini Sebo, que já acrescentei algumas coisas. (E o lance de ser "leitor-vendedor" da Estante Virtual funciona mesmo, viu? Já vendi uma porção de livros por essa via, e deu tudo certinho.)
Muita boa essa sensação de desapego. Quanta coisa se acumula.

Roupinhas de Oliver já arrumadas e lavadas, em sua infinita quantidade, tudo fruto de doações e presentes. Roupinhas de Mathilde que não cabem mais e que não servirão para Oliver (porque tudo bem um filho meio metrossexual que use body de florzinha, mas para tudo há limites) já passadas adiante, em sua quantidade igualmente absurda. Quarto das crianças quase finalizado, faltando apenas a fofa decoração da parede que minha prima desenhou e que será colada na semana que vem (impressa em vinil, fica muito legal). Exclusiva e customizada, tipo luxo total.

Hoje sem falta vou fazer as malas (minha e de Oliver) para a maternidade. É nesse momento que bate um sentimento estranho. É agora. A qualquer momento vai sair de dentro de mim um bebê. Outro ser humano, com coração, rins, pulmões, olhos, língua, córtex cerebral etc. Uma sensação tão absurda que nem consigo descrever. Uma espécie de teatro do absurdo, Esperando Godot ou O Deserto dos Tártaros, com a diferença que neste caso, Godot ou o exército tártaro não só aparece como surge de dentro do seu próprio corpo. É ao mesmo tempo estranho e muito bom, porque o que é racionalmente absurdo é também emocionalmente tão poderoso que escancara os limites da razão com um amor que vai brotando sabe-se lá de onde, que não se imagina possível, factível ou viável, mas que existe, pesado de tão concreto, esmagando qualquer tentativa de resistência.

Viver é um negócio muito curioso.

10.10.10

10/10/10

Confesso que essa noite fiquei apreensiva. Oliver se mexeu tanto, mas tanto, que praticamente não consegui dormir. E minha barriga ficou dura. Quase morri de tanta dor nas costas. E senti uma pressão nos ossos pélvicos.

Pensei: Ah, é só o que me faltava, querer nascer justo hoje.

Não porque eu só na sexta tenha parado de trabalhar, e portanto tenha o DIREITO de ter umas 2 semanas de folga para acabar de terminar a zona que ainda está na casa.

Mas porque hoje, dia 10/10/10, todas as maternidades vão estar lotadas com cesarianas agendadas pelas loucas da numerologia.

E eu me pergunto: como é que pode?

5.10.10

Trinta e quatro

Ano passado, o 5 de outubro deslanchou em um turbilhão de memórias, um momento terapia-tudo, que foi ótimo e lamento ter interrompido.

Este ano, o 5 de outubro está na direção oposta, olhando só para a frente, querendo criar e adivinhar o futuro.

De qualquer forma, a caixa de comentários está aberta para os parabéns e depoimentos elogiosos à minha pessoua, ha.

1.10.10

Atendendo a pedidos

Mathilde, 2 anos e 8 meses

Voltamos para nossa casa no fim de semana passado, depois de 3 semanas fora. Pintura, reforma dos armários, ajustes menores e maiores, e enfim à casa tornamos. Mathilde felizmente gostou de seu novo quarto (que até então tinha sido o quarto de casal, e que decidimos trocar por uma questão de armários) e principalmente de sua nova cama, que passou a ser uma cama de solteiro tamanho adulto, e não mais a mini-caminha que ela tanto adorava (e que vai voltar a ser um berço, agora para Oliver). Também, haja mise-en-scene de nossa parte para transformar o fato da nova cama num acontecimento mágico, fantástico e extremamente positivo. Foi um tal de todo mundo dizer "Mas que cama mais linda!", que acabou funcionando. Com auxílio de novas roupas de cama de bolinha, florzinha e borboletinha, é bom que se diga.


Fico impressionada em ver como ela já é realmente uma pessoazinha, com quem se pode falar de tantas coisas. Uma precisão linguística que para mim é surpreendente. Ela não diz, por exemplo, que o pai não deve deitar na nova caminha dela porque é muito grande. Diz que ele não deve deitar porque é grande demais. E quando, menos de 2 horas depois de jantar um belo prato de arroz, feijão, carne, batata e cenoura, com direito a melancia e jujuba de sobremesa, ela diz que está com fome e quer "comer uma coisinha", eu faço minha cara mais cética, ela resolve mudar a ênfase e em vez de dizer que quer comer, diz que precisa comer uma coisinha*.

A pessoazinha também anda muito carinhosa com a mãe. Quase morro quando ela me abraça e diz "Você é a minha barrigudinha!". E faz muito carinho na minha barriga quando, à noite, depois da caminhada de volta do trabalho pra casa, eu me queixo que a barriga está doendo. E depois do carinho me olha muito séria e pergunta: "Melhorou?".


Tento passar o máximo de tempo com ela, aquele "quality time" em que a gente se dedica totalmente, porque sei que daqui a poucas semanas (mais 2? mais 3?) vem um rolinho compressor que vai mudar pra sempre o nosso relacionamento, transformá-lo em outro -- provavelmente melhor, no longo prazo, mas de qualquer forma é sempre uma mudança e tanto.

Eu trabalho até o final da próxima semana. Depois entro de férias, e emendo na licença-maternidade. Oliver está ótimo, de cabeça pra baixo na posição certinha (virou quando eu já tinha quase perdido as esperanças, depois de passar a maior parte da gestação sentado), mexendo muito muito muito. Até agora, nenhuma contra-indicação para parto normal, como foi o de Mathilde. Eu estou bem, na medida do possível das 36 semanas (= dormindo mal, andando bem devagar, mal conseguindo amarrar os cadarços do meu Reebok Madeleine, etc.). Mas não engordei demais (acho que uns 9kg até agora), a pressão está normal e a temperatura mais amena está ajudando a não inchar tanto. É como diz o ditado: a gravidez dura 8 meses e 1 século.

Ainda não me caiu a ficha de que em breve terei dois filhos. O quarto agora é o "das crianças". Às vezes me pergunto que loucura é essa, onde estávamos com a cabeça quando resolvemos ter mais um, como vamos administrar essa zona.** Mas sei que tudo isso vai se esclarecer magicamente quando ele nascer, como foi da primeira vez. No fundo, vai ser mais uma oportunidade de eu descobrir tantas coisas boas dentro de mim.

*O diálogo:
-- Mamãe, eu
preciso comer uma coisinha.
-- O que você quer comer?
-- Arroz, feijão, carninha...
-- Ah, não, de jeito nenhum, você já jantou e está muito tarde. Quer comer uma banana? Um iogurte? Um biscoito?
-- Está bem.
Chegando na cozinha:
-- Então, o que você vai querer? Banana?
-- Hmmmm... Acho que pode ser uma jujuba.
Nem 3 anos de idade e a cara-de-pau inapelável dos adeptos da técnica do se-colar-colou. Impressionante.

**Disse um amigo com 2 filhos com 2 anos de diferença de idade: Criar um filho é como cuidar de um bichinho de estimação. Criar dois filhos é como administrar um zoológico.

22.9.10

Ausência temporária

Obrigada a todo mundo que escreveu pedindo notícias.
Estamos todos bem, mas por conta de reformas, pinturas e outros quetais, estamos temporariamente abrigados na casa dos meus sogros. Lá só tem 1 computador e, bem, o blog é secreto e anônimo, lembram?

Oliver está ótimo, quase 35 semanas e super saudável, mexendo à beça e já com a cabeça pra baixo, como sói.
Mathilde também está boa, se acostumando a ficar na casa da avó, cada vez mais fofinha.

Enfim, semana que vem espero estar de volta a casa.

Por ora é isso.

29.8.10

Trilogia Millennium, de Stieg Larsson

Comecei a ouvir falar dos livros de Stieg Larsson há mais ou menos um ano. Foi aquela coisa de, de repente, num espaço de poucos dias, várias pessoas diferentes comentarem que estavam lendo "um livro incrível", e era sempre o primeiro ou segundo volume da Trilogia Millennium (1> Os homens que não amavam as mulheres; 2> A menina que brincava com fogo; 3> A rainha do castelo de ar), do sueco Stieg Larsson.

Depois, comecei a reparar na presença cada vez mais constante dos livros deste autor nas cabeças das concorridíssimas listas de mais vendidos de ficção do NY Times, da Publishers Weekly, da Amazon e de qualquer veículo dos EUA, onde é pública e notória a aversão e resistência ao consumo de literatura traduzida de outra língua. Na França, na Espanha, Holanda, e em toda a Escandinávia, a mesma coisa.

Até mesmo seus amigos do mercado editorial estavam todos lendo e amando. O quadro se completou um dia em que navegava pelo site das Americanas.com e vi uma daquelas promoções meio esquisitas que eles costumam fazer com coleções de livros. No caso, eram os três livros da trilogia, numa caixa, por pouco menos de 75 reais. O que dava 25 pratas por livro (contra cerca de R$40, que é o preço normal), cada um deles um belo tijolo, literalmente um maior que o outro (528, 608 e 688 páginas, respectivamente). Comprei mesmo por impulso: não tinha lido nenhum, e comprei 3 de uma vez. E para entrar na categoria "Frete grátis a partir de $99", ainda coloquei, como sempre, uns Simenons no pacote. Marketing de vendas, bravo.

Os homens que não amavam as mulheres é um livraço. Talvez o melhor da trilogia. Ali somos apresentados aos personagens que vêm cativando os leitores do mundo todo: Mikael Blomkvist, o sedutor jornalista de meia-idade que se engaja em lutas politicamente corretas, e Lisbeth Salander, a heroína mais improvável dos últimos tempos: hacker de primeira linha, pequena, magrela, patologicamente antissocial, totalmente imprevisível.

Os dois se metem numa complicada história de desaparecimento de uma adolescente, ocorrido décadas antes, no interior da Suécia, e acabam se envolvendo na vida de uma família tradicional sueca. Uma família rica, dona de indústrias, e cheia de esqueletos no armário, daquele jeito estranho que só as famílias suecas conseguem ser, conforme aprendemos nos filmes do Bergman.
Paralelamente à investigação, vamos conhecendo um pouco da história de vida de Salander, um enredo que só vai piorando ao longo do livro, de forma realmente dramática. E por mais antipática que ela seja, é impossível não ficar a seu lado, não torcer por ela, não vibrar quando ela consegue dar uma enorme volta naqueles que a prejudicam, e não soltar pelo menos um "ah, não!" quando ela dá um tremendo fora naqueles que realmente a querem ajudar.

Stieg Larsson

Além disso tudo, tem o dia-a-dia da revista Millennium, uma publicação de grandes reportagens especiais, jornalismo investigativo. Os outros personagens que trabalham na revista são ótimos. Na ficção, Blomkvist é um dos donos da Millennium, assim como, na vida real, Larsson era editor e sócio da Expo, uma revista exatamente como a Millennium, famosa por sua cobertura aprofundada e crítica de casos de neonazismo, racismo, exploração de mulheres etc. Não é difícil deduzir que Blomkvist é o alter ego ficcional de Larsson.

Eu não gosto do título Os homens que não amavam as mulheres. Além de muito grande, é um título ruim, com tanto plural. Em inglês virou The Girl with the Dragon Tattoo (seguindo de The Girl Who Played with Fire e The Girl Who Kicked the Hornet's Nest), que eu considero muito mais comercial. No entanto, Os homens que não amavam as mulheres parece ter sido mesmo o título escolhido pelo autor (e usado também nas edições francesa e espanhola). Em entrevista, a viúva de Larsson (ele morreu em 2004, aos 50 anos, de ataque cardíaco, antes da publicação dos livros) diz que ele jamais autorizaria a mudança de título da edição americana, pois a questão do combate à violência contra a mulher lhe era caríssima, e é justamente o foco central que permeia todos os livros.


A meni
na que brincava com fogo é o menos bom dos livros. Não é que seja fraco, mas você vem direto da leitura do volume 1, empolgadíssima, e o livro acaba não correspondendo à expectativa. Foi o único que me peguei achando longo. Nele, temos menos Blomkvist e mais Lisbeth Salander, e uma grande história de acerto de contas com o passado. Mesmo assim, tem cenas memoráveis e personagens idem -- gostei em especial do boxeador chamado Paolo Roberto, um alívio no meio de tantos nomes como Eriksson, Ekström, Fräklund, Bohman, Berman, Berger, Blomgren, Bjurman, Björck, Svensson, Sandström, Strängnäs, Norrköpig, juntando aí topônimos e antropônimos, que de fato se confundem às vezes no meio da leitura (isso é alguém ou algum lugar?).

Acabei dando um grande intervalo antes de pegar o vol. 3, A rainha do castelo de ar, que é outro livraço, daqueles que a gente devora em uma semana, a despeito do tamanho. Mas todos eles são sequenciais, de modo que até mesmo a leitura da orelha do vol. 2 é um spoiler do vol. 1, e o vol. 3 começa exatamente onde parou o 2. Esta última parte da trilogia gira em torno de contraespionagem, o serviço secreto sueco, operações extra-oficiais, e culmina com uma grande sequência de tribunal, em que Salander está no banco dos réus. É bem melhor do que a minha descrição deixa transparecer. Neste última, a coadjuvante que se destaca no meio de nomes do calibre de Fredriksson, Göransson, Jonasson, Nilsson, Borgsjö, Svavelsjö, Wennerström, Nyström, Thorbjörn, Holmberg, Sahlgrenska e outros quetais é Rosa Figuerola, uma policial pela qual me peguei torcendo sem cerimônia.

A história por trás dos livros é quase tão interessante quanto as aventuras de Blomkvist e Salander. Larsson morreu repentinamente, aos 50 anos, e não faltaram suspeitas de que tenha sido morto em retaliação pelas matérias que fez publicar na sua revista Expo. Mas o grande babado mesmo ficou por causa da herança. Quando morreu, Larsson morava havia anos com Eva Gabrielsson, mas não eram oficialmente casados. Por isso, todo o dinheiro dos direitos autorais foi para os herdeiros oficiais, o pai e o irmão do autor. Não é pouca grana. Na minha edição da Companhia das Letras há um selo dizendo "Trilogia Millennium - 15 milhões de exemplares vendidos no mundo". A Wikipedia informa que em março de 2010 já eram 27 milhões de livros vendidos em 40 países. Façam as contas. Gabrielsson briga na justiça, e pelo que li, conseguiu que a mídia internacional tomasse seu partido.

A coisa não pára* por aí. Na Suécia já fizeram o filme do primeiro livro, e Hollywood também está correndo atrás, prometendo o seu para 2011. Mas, francamente, com Daniel Craig no papel de Blomkvist?!?! Quem fez esse casting deve ter lido um livro diferente do que eu li. Não poderia ter menos a ver esse ator com o personagem. Para mim o Blomkvist tem mesmo a cara do Larsson, esse jeito meio despreparado, vulnerável e gauche, e por isso mesmo irresistível para todas as mulheres que convivem com ele nos livros.

Last but not least: a ótima notícia é que a Companhia das Letras lançou edições "econômicas" dos três volumes, em torno de R$30 cada um (as capas coloridas espalhadas por este texto). Estranhamente, aqui no Brasil acho que nunca vi nenhum dos volumes entrar na lista dos mais vendidos, enquanto no resto do mundo é uma verdadeira febre. De qualquer forma, eu aderi e adorei, e recomendo a todos.

(Pára com acento diferencial = desobediência civil, com convicção)

27.8.10

O Reebok Madeleine


Hoje vivi um momento proustiano.

(Verdade seja dita, nunca li nada de Proust, a não ser o primeiro volume de uma versão em quadrinhos de Em busca do tempo perdido que meus amigos P. e K. me deram de aniversário alguns anos atrás, e da qual nem gostei muito. Mas basta um pouco de cultura geral para saber que o episódio da madeleine é "o" grande exemplo de experiência sensorial evocando memórias há muito adormecidas. E chega de didatismo por ora.)

Já estou naquele momento da gravidez em que aspirar a qualquer vestígio de elegância é uma tarefa inglória. Poucas roupas entram, as que ainda cabem dificilmente caem bem, temos que lançar mão do "estilo Obelix" e outras deselegâncias similares. Acaba que repete-se muito algumas poucas peças do vestuário - 1 ou 2 calças, 1 ou 2 vestidos, as saias de elástico que não ficam muito curtas quando colocadas lá em cima da barriga, e algumas blusas escolhidas, de preferência evitando-se aquelas largonas que caem nada graciosamente por cima do complexo peitos-barriga, te deixando com cara de bombom.

Em resumo, não é fácil.

E tem ainda a questão do sapato. Que para os finais de semana tudo bem, me viro bem de tênis, chinelinho ou coisa que o valha. Mas para o trabalho é diferente, pois eu costumava ir de sandálias ou sapatos de salto -- salto baixo, nada muito arrumado, mas enfim, condizente com meu novo estilo pessoa-que-passa-lápis-e-sombra-para-trabalhar. E agora não tem dado mais para ir com esse tipo de calçado, especialmente porque tenho ido e voltado a pé todo dia, e ainda mais, continuo vindo almoçar sempre em casa. Tudo isso a pé, e cerca de 20 minutos de caminhada cada ida ou cada volta. Em outras palavras, 80 minutos por dia andando com essa barriga de 31 semanas que não está nada pequena. (Justiça seja feita: Marido sempre se oferece para me levar/buscar de carro, mas o trânsito tem andado tão ruim que não vale a pena, o trajeto de 5 minutos leva 30).

Por isso tenho usado basicamente uma Melissinha transparente-vai-com-tudo, uma sandália rasteira ótima da linda loja Outer, e meu par de tênis Nike. E, claro, nada se compara ao tênis. Na atual conjuntura, faz uma diferença incrível em matéria de conforto. Chego ao destino (casa ou trabalho) efetivamente menos cansada. Mas, ainda que seja um modelo azul marinho, esse tênis tem um quê de esportivo que não me deixa assim tão à vontade. Por isso tenho há alguns meses procurado um tênis bem confortável mas que seja preto e com uma cara menos de corrida, sem refletores nos calcanhares, sem detalhes verde-limão, sem aquela coisa meio transparente-absorção-de-impacto no calcanhar. Não deveria ser assim tão difícil, mas.

Já procurei à beça, e nada. Virou até uma piada interna minha com Marido. Cada vez que ele diz que vai a algum lugar (supermercado, shopping, loja tal, viagem à Itália etc.) e pergunta "quer alguma coisa?", eu respondo "quero sim, um tênis preto, bem confortável, mas com uma cara mais social e menos esportiva". (Ok, contando assim não ficou engraçado.)

Então hoje, que Mathilde foi para a casa da avó fazer farra junto com o primo-que-ela-mais-ama-no-mundo, e vai dormir lá, aproveitei para passar no xóps-cênts depois do trabalho, para comprar um presente de aniversário. Missão cumprida, presente devidamente comprado, resolvi entrar, por puro desencargo de consciência, numa loja de tênis e material esportivo. E aí vi, ali quietinho, de perfil ao lado de outros tantos modelos, em cima daquelas microprateleiras típicas de lojas de tênis, um exemplar preto do "Reebok Classic Princess Shoe Women's", modelo mais emblemático da minha adolescência. Esse da foto lá em cima. Sim, sim. Na primeira metade dos anos 90, todo mundo tinha -- ou desejava ter -- esse tênis. Todas as meninas, pelo menos. Havia o preto e o branco.

Olhei, peguei, passei a mão. Estava em promoção, um preço razoável. Pedi para ver o tamanho 36. O vendedor trouxe. Calcei. Esse tênis tem uma palmilha diferente, meio aveludada, que faz com que você tenha ainda mais a impressão de que está pisando no macio. E foi ali a hora da madeleine. Lembrei de tudo. Quase 20 anos atrás, a gente usava esse tênis com meia de cano bem curto, ou então sem meia. Em geral, com uma bermuda jeans da Dimpus e camiseta para dentro da bermuda na parte de trás, mas caindo para fora da bermuda na frente. (Pensando bem, era estranhíssima essa moda.) Ou de saia jeans da Yes Brazil. Ou calça jeans da Company. Lembrei ainda que, em 1997, quando fiz uma viagem de meses pela Europa, de mochila nas costas, só tinha esse tênis e um chinelo de dedo, e mais nenhum calçado. Usava esse mesmo tênis preto para ir à ópera ou para caminhar dez quilômetros.

Fiquei olhando o tênis no meu pé e sorrindo. Não só o tênis tinha um valor sentimental, como também era exatamente o que eu estava procurando. (E em promoção!) Puxei papo com o vendedor, um rapaz de uns 20 anos ou menos, e ele me disse que sim, estavam relançando, que o branco por exemplo vendeu muito, quase não tem mais. E eu me senti uma senhora de meia idade, mas não pude evitar explicar-lhe que no início dos anos 90, ele certamente não se lembrava, mas todo mundo tinha esse tênis. Ele riu e disse que nasceu nessa época. Eu sorri de volta, passei a mão na barriga, pensei em Oliver e Mathilde, e me levantei para ir ao caixa pagar.

17.8.10

Trivial variado

Tirando um pouco da poeira por aqui. Porque, né. 29 semanas e uma barriga que não tem mais tamanho. E dentro dela, o pequeno kickboxer. Ainda inominado, pobrezinho.

Mas estive em São Paulo, para a abertura da Bienal. Gosto de ficar no estande, vendo quem são as pessoas que compram os livros, conversando com elas. Porque trabalhando em editora a verdade é que temos muito pouco contato com os leitores. Agora até um pouco mais, com as contas no Twitter, Facebook, com os hotsites e blogues e espaço para comentários. Mas mesmo assim, presenciar o momento em que a pessoa se decide a comprar um livro, olha, folheia, escolhe e leva no caixa, é sempre interessante.

E tem os famosos "autores de Bienal", criaturas que chegam no estande com seus livros, seus projetos, e deixam sempre algum material na sua mão. Nessas situações, já entendi que o melhor é aceitar o original, em vez de tentar fazer a pessoa entender que não vai ser possível lançar seu livro pela editora. E, claro, sempre dar um retorno algum tempo depois, porque até mesmo autor de Bienal merece consideração. (E pra quem acha que estou sendo injusta, inflexível, cética, cínica ou tenho a mente fechada a grandes talentos, só tenho a dizer o seguinte: ã-hã.)

Tem também as "editoras de Bienal", das quais nunca ouvi falar, só vejo nesses eventos, com seus pequenos estandes e vários livros publicados. Antigamente diziam que no Brasil há mais editoras do que livrarias. Não sei se é verdade, mas me parece possível.

No mais, Bienal é encontrar os amigos, saber das fofocas do mercado, ver os lançamentos, aproveitar as promoções. Voltei com mais Simenons na mala, inclusive o Burgomestre de Furnes, que fiquei com tanta vontade de ler depois da resenha do Milton Ribeiro. Aliás, no estande da L&PM fiquei conversando com o "L" da editora, sujeito gente fina toda vida, que conheci alguns anos atrás, e achei que, sei lá por que, era como se estivesse conversando com o Milton Ribeiro - que não conheço pessoalmente, nunca ouvi a voz. Aquele sotaque portalegrense, aquele senso de humor gaúcho, e uma boa conversa sobre os livros e a vida... E pelas fotos que o Milton coloca no site de vez em quando (em geral alardeando sua semelhança com o presidente do Irã), os dois são mesmo parecidos. Bah.

Essas viagens a trabalho em geral são chatas no que diz respeito ao "operacional" -- aeroporto, avião, mala, táxi, hotel. Mas se tem uma coisa que eu gosto é de chuveiro de hotel. Aquela ducha forte e super quente, uma pressão d'água que não tenho em casa. Mas se tem uma coisa que eu gosto mais ainda é finalmente descobrir como funciona o chuveiro do hotel. Sempre tão difícil! Desta vez fiquei no soidisant "maior hotel do Brasil" e cheguei às raias da humilhação: chamar uma pessoa da manutenção para me mostrar como eu fazia para que a água saísse do chuveiro normal e não daquela duchinha de mão (estilo "banho europeu"). Acho que, enquanto gestante, a gente perde os pudores de pagar esses micos. Lembrei também de um episódio de Seinfeld em que rola um diálogo sobre por que os lençóis de hotéis são tão desumanamente apertados e presos sob o colchão, a ponto de você se preocupar se não vai deformar os pés caso resolva dormir de barriga pra cima. Mas o mais inacreditável do "maior hotel do Brasil" é o café da manhã. Acho que nunca tinha tomado meu desjejum na companhia de outras mil pessoas. É, digamos, intrigante.

No mais, tenho lido bons livros, sobre os quais pretendo escrever em breve. E os casos do Awful First Dates têm me feito rir quase tanto quanto os do Slush Pile Hell. E adicionei hoje à minha lista de desejos praticamente irrealizáveis o Good Morning Sir Alarm Clock (que tal ser acordado por uma voz de mordomo inglês dizendo It appears to be morning. Very inconvenient, I agree. E outras 120 frases).

Nível de bobagem anda alto, admito. Mas é fruto da necessidade.

4.8.10

Quem me ensinou sabia

Já escrevi aqui antes que meu über-chefe é o rei do feedback positivo. Pra qualquer coisa, mesmo um simples email. Basta eu copiá-lo numa mensagem para outrem, e em seguida lá vem ele: "Maravilha de mensagem, que alegria!", "Querida Anna, é sempre um prazer ler suas mensagens", "Você é uma craque", ou coisa que o valha. Super bacana. Mas a verdade é que eu aprendo muito com ele, que é o craque supremo das mensagens gentis, mesmo quando trazem más notícias (como contei aqui). Por isso, dia desses, em resposta a um desses feedbacks positivos, usei o bordão de Wilson das Neves: Quem me ensinou sabia - querendo, claro, me referir a ele mesmo (ele = o chefe, não o Das Neves!).

E sigo nesse ritmo, sempre prestando atenção para aprender com quem realmente sabe. Em 2006, por exemplo, escrevi um post falando sobre Fórmula 1, esporte chato e cuja popularidade me parece tão estranha. Textinho ok, tem lá sua graça aqui ou acolá, mas nada de grandes brilhantismos. E agora leio este texto do Simas, sobre o mesmo assunto. Vai, Anna, aprende com quem sabe!

O circo da Fórmula 1 consegue unir de forma impressionante meninos mimados, babacas, bundões e gangsters da pior espécie. É a imagem bem acabada do que há de pior na sociedade de consumo: o culto ao dinheiro, a veneração pelo carro, as artimanhas da propaganda, o individualismo, o poder das grande empresas, a vulgarização do corpo feminino, a ética perversa de que os fins justificam os meios, o desperdício e o banditismo dos bacanas.

(Este é só o primeiro parágrafo. Clique acima para ler o texto inteiro)

2.8.10

S.O.S. (para cariocas)

Sei que aqui não é o melhor lugar para este tipo de pedido de ajuda, mas enfim. O sebinho me fez ver que tenho uns leitores que não costumam se pronunciar, mas acompanham minhas agruras e aventuras. Então lá vai.

Nossa babá/empregada só fica até o final do mês. Portanto, quem tiver alguma indicação, souber de alguém querendo este emprego, por favor escreva para o terapiazero arroba gmail ponto com. A escriba agradece.

E para aumentar o coeficiente de dramaticidade: estou gripada, com uma tosse que não me deixa dormir, e amanhã marido viaja novamente e só volta na outra semana.

*suspiro*

Agora me dão licença que vou ali ler um livro de autoajuda e já volto.