25.1.10

Livros 2009

Segunda-feira em casa de molho, convalescendo. Boa oportunidade de escrever aquele post que eu queria. Sobre alguns dos livros que li em 2009.

O filho eterno, Cristovão Tezza
Não podia deixar de ler o livro mais premiado da literatura brasileira nos dois últimos anos. Tinha uma simpatia pelo Tezza porque há anos li Juliano Pavollini, romance a respeito do qual não me lembro nada, exceto que gostei de ter lido. Fui então ao Filho eterno, que é um livro de memórias do Tezza -- um ótimo livro de memórias, aliás -- sobre seu relacionamento com o filho que tem síndrome de Down e hoje tem 20 e tantos anos. (Os angloparlantes têm bem definido esse gênero literário, a que chamam "memoir" e é muito popular, mas aqui não temos isso tão claramente. Não é bem uma autobiografia, pois que menos "sério", rigoroso e abrangente. É só isso mesmo: um livro de memórias.) Mas aí é que a coisa me incomoda: o livro ganhou todos os prêmios na categoria Romance. Mas ora, não é um romance. Não é ficção. (Estou sendo muito estreita nesses critérios? Acho que não, mas talvez sim. Paciência.) Tudo ali diz respeito à vida do autor (descrito como "o escritor"), seus livros têm os títulos reais, e o próprio "filho eterno" é descrito com seu nome real (Felipe). Então enfim, isso me intrigou, o livro ter ganho tudo quanto é prêmio de romance ser sê-lo. Mas fora isso, é um relato de uma franqueza espantosa, diria até comovente, da juventude de um escritor brasileiro, de suas arrogâncias, decepções e esperanças, de sua inabilidade em lidar com o lado menos intelectual da vida, de sua forma esquerda de abordar as emoções e as expectativas alheias. É bem cru, bem honesto, e aposto que tocou fundo na alma dos jurados que lhe concederam tantos prêmios literários. Pena que o último quarto do livro perde em força, quando chega muito próximo do momento presente o assunto meio que acaba, porque claro, todos estão tocando suas vidas -- o autor, o filho eterno e todos os demais. Então a coisa termina assim meio no ar, e é um anticlímax.

Leite derramado, Chico Buarque
Consegui este pelo TrocandoLivros. Estava na minha lista de livros a ler, por causa de Budapeste, de que gostei tanto. Continuo gostando mais de Budapeste, apesar de ter lido Leite derramado sem a menor dificuldade. Não achei um grande livro, mas tem uma forma bem interessante e instigante de contar uma única histórica por meio da memória episódica de um velho de mais de 100 anos. A grande pergunta é: teria lido da mesma forma se não soubesse que o autor é Chico Buarque. Acho que não. E provavelmente teria gostado menos. É totalmente impossível fazer essa desvinculação, e desconfio muito de quem diz conseguir.



Pontal do Pilar, Paulo Cesar Pinheiro
Sou grande fã de PC Pinheiro, responsável por tanta coisa boa na nossa música, e que não tem o reconhecimento que merece. Aliás, é um problema dos nossos letristas em geral. As pessoas choram com as músicas do Milton Nascimento sem saber que os versos são do Fernando Brant. Vibram com o Ivan Lins sem nunca ter ouvido falar do Vitor Martins. Acho que só Aldir Blanc conseguiu um pouco mais de visibilidade, um pouco por ser uma figura tão chamativa, em parte por escrever crônicas em jornal e aparecer o tempo todo quando precisam de personagens vascaínos ou gente para ilustrar a vida tijucana no bairro da Muda. Mas voltemos ao PCP. Que além de letrista é poeta, com não sei quantos livros de poemas publicados e outros tantos na gaveta. Aí ele vem e me lança o primeiro romance, e por essa editora nova portuguesa, a Leya, recém-instalada no Brasil. O livro é uma beleza de produto, de capa dura, papel cuchê e lindas ilustrações. Mas não posso negar que o conteúdo me decepcionou. Pontal do Pilar me pareceu a introdução para um romance, e não um romance acabado. Apresenta uma porção de personagens que moram no tal Pontal, uma rede intricada de relacionamentos diversos, com muitos personagens deliciosos (e é impossível fugir à referência de Jorge Amado para esses ambientes e essas gentes praieiras -- mas sem pastiche), mas quando a gente sente que a ação propriamente dita está pronta para começar, quando finalmente todos os personagens são apresentados, pronto, acaba o livro. Simples assim. Tremendamente frustrante.

Os Pilares da Terra, Ken Follett
O livro que mais me empolgou em 2009. Ficção comercial em sua melhor forma. Nunca tinha lido nada do Follett (nem tinha o menor interesse), até meu chefe me falar tanto desses Pilares, que comecei a procurar no TrocandoLivros (foi lançado em 1989). E para meu deleite supremo, encontrei lá uma edição pocket americana, de modo que pude ler o texto original em inglês. (Porque é aquela coisa, tradução é como salsicha: quanto mais você sabe como é feito, menos você tem vontade de consumir.) São quase mil páginas de um incrível romance histórico, passado na Inglaterra do século XII, girando em torno da construção de uma catedral. (A edição brasileira é em 2 volumes, e comprar os dois custa incríveis R$ 124, de modo que recomendo muito uma visita à Amazon ou à EstanteVirtual). Os personagens são fascinantes, e formam claramente representações dos três estados: o clero, a nobreza, os camponeses. É um novelão, daqueles cheios de traição, intriga, vilões incrivelmente maus (mas não só isso: vários personagens são bem complexos e ambíguos) e ainda por cima uma aula de idade média. Difícil de largar. E depois fui descobrindo outros entusiastas. Aliás, todo mundo que conheço e que já leu é super fã. Tem uma continuação, Mundo sem fim (que se passa no séc XIV), mas ainda não consegui me apossar de um.

A Civil Action, Jonathan Harr
Este livro estava há anos na minha estante, e não sei nem de onde ele apareceu. Um belo dia, sem mais nem por quê, peguei para ler. É um livraço de não-ficção, e conta a história de uma batalha jurídica -- assunto que em geral nem de longe me interessa. Mas aí residem o segredo e o fascínio da arte da escrita. Um livro bem escrito pode ser sobre qualquer coisa, que fica bom. Este é sobre um advogado americano que investe tudo que tem num caso sobre poluição de leitos aquíferos por indústrias químicas, que gerou uma contaminação na água e acabou matando várias crianças que moravam num mesmo bairro. O advogado não faz por idealismo, faz pela grana e pela mídia, e depois vira uma questão de honra vencer os advogados filhos-da-puta das grandes corporações poluentes. Vira uma imensa rede de intrigas, provas e testemunhos que aparecem e somem misteriosamente, laudos técnicos para todos os lados, ofertas de acordo etc. E no final das contas o cara perde a causa. (Perde em termos: consegue um acordo muito menor do que esperado, que não dá para cobrir o que ele havia investido -- ele perde carro, casa, etc.) Parece que tem um filme baseado no livro, que foi bastante premiado nos EUA, dos anos 90, com o John Travolta no papel do advogado, mas eu não vi. Em tempo: este livro nunca saiu no Brasil, mas o autor tem um outro lançado aqui, outra não-ficção que dizem ser muito boa também: O Quadro Perdido.

Presente do mar, Anne Morrow Lindbergh
Livro lindo, incrível, fantástico, extraordinário, que toda mulher deveria ler. É, na verdade, uma espécie de livro de autoajuda, como isso não pega bem, pode-se dizer que é um ensaio sobre a condição feminina (bem grosso modo, isso aí). O livro é de 1955, o que torna tudo ainda mais incrível, pela atualidade das palavras da autora, pela qualidade das suas reflexões sobre o que é ser mulher, mãe, profissional, numa época em que isso ainda não era um tema tão batido. Anne Lindbergh era esposa de Charles Lindbergh, que ficou famoso por ser o primeiro aviador a cruzar o Atlântico (Paris-NY, em 1927). Ela também era aviadora. Eles tiveram 5 filhos, sendo que o primeiro foi sequestrado e morto quando ainda era bebê. O caso gerou uma comoção nacional, porque o Lindbergh era muito famoso, e o assédio era tanto que a família se mudou para a Inglaterra. Enfim, é um ponto de tragédia na vida dela, mas o livro não tem nada a ver com isso. Tem a ver, sim, com a necessidade de ter um tempo só para si, no meio do turbilhão da vida moderna (o que Virginia Woolf chamou muito bem de "A Room of One's Own", título de seu livro lindo (No Brasil, Um teto todo seu)), com o papel da mulher no vértice de uma engrenagem que nunca pode parar de girar, e outras imagens bonitas -- imagens marinhas, de conchas, pois é o Presente do Mar. Recomendadíssimo.

Conquistando o inimigo, John Carlin
Deve ficar bem badalado a partir do mês que vem, quando estreia o filme inspirado no livro, do Clint Eastwood, com Morgan Freeman e Matt Damon como protagonistas. Mais uma não-ficção nota dez. Desta vez, o pretexto é a Copa do Mundo de Rúgbi de 1995, na África do Sul -- primeiro ano de Mandela presidente. Sim, este é o pretexto, porque o verdadeiro assunto é o fantástico talento político de Mandela, sua capacidade de conquistar corações e mentes de todo o mundo. Não vi o filme, mas já estou preparando o lencinho. O livro é muito emocionante.



A louca de Maigret, Simenon
Maigret e o ladrão preguiçoso, Simenon
O amigo de infância de Maigret, Simenon
Já falei aqui tantas vezes do meu amor por George Simenon, mas não me calarei jamais. Considero uma espécie de missão divulgar a obra deste autor, para que suas vendas não decepcionem e a L&PM não deixe de lançar seus livrinhos nas lindas edições pocket que se pode meter na bolsa e ler em qualquer canto. Esses 3 comprei na Bienal, em setembro (já comprei mais 3 depois disso, que ainda não li), e o que mais gostei foi o último que li: A louca de Maigret. É um dos livros mais tardios (escrito na década de 70), o que se faz perceber pela imensa intimidade que o autor já tem com seu personagem. A louca de Maigret é uma velhinha que passa uns dias stalkeando o comissário, e ele nada de atendê-la, porque tem coisas mais importantes a fazer. Quando finalmente ela consegue abordá-lo na rua, diz que está se sentindo ameaçada e tem medo de morrer -- seu único indício é que os objetos em sua casa parecem ser mexidos quando ela sai, e ela mora sozinha. Maigret não dá muita atenção, e no dia seguinte, pimba, a velhinha aparece morta. Não é sem remorso que ele se põe a investigar o caso, mas o mais fascinante é que durante o livro todo não aparece sequer uma pista decente. Nada dá em nada, nenhuma linha de investigação parece ter futuro. Esse é o gênio de Simenon, ficar 100 páginas contando um caso que leva de nada a lugar nenhum. Mas, claro, no final aparece sim, um culpado. Um não, vários, haha.

O símbolo perdido, Dan Brown
Está longe de ser minha predileção, mas em geral procuro ler os mega-sellers, na medida do possível. Ossos do ofício. Ah, bem, que mais se pode dizer? É meio grande, conspirações maçônicas não me interessam muito, mas de fato, lê-se sem esforço. Vejo mérito, sim, nos livros de Dan Brown, não acho que seja ofensivo como tanta gente diz. É um thriller -- como tantos outros. Um thriller competente, mas que não me faz morrer de amores, não. E ainda por cima sempre me vem à mente a imagem do Tom Hanks, o que não ajuda exatamente.



Órfãos do Eldorado, Milton Hatoum
Por mim, parei com o Milton Hatoum por aqui. Não pretendo mais comprar seus livros (na verdade, este também não comprei, foi mais um que recebi via TrocandoLivros -- aliás, que site maravilhoso!). Explico: há alguns anos, li no jornal uma resenha sobre Dois irmãos. Gostei da resenha, fui à livraria e comprei o livro -- que é absolutamente maravilhoso. Desde então fiz tudo para divulgar o livro, ou seja, dei de presente para várias pessoas, emprestei para outras tantas. Foram tantos empréstimos sem volta que certa ocasião fui à Flip, o Milton Hatoum estava lá, e eu pedi para autografar um novo exemplar, para que daquele eu nunca pudesse me desfazer. Então Dois irmãos é um grande livro, um enorme livro. Fui atrás dos outros livros do autor, e na época só havia um: Relato de um certo Oriente. Achei chato, nem terminei a leitura. Tudo bem. Depois saiu outro, Cinzas do Norte. Comprei, li e achei mais ou menos. Nada de mais. Por fim, saiu este Órfãos do Eldorado, que me aborreceu muito. Então 3x1, mesmo que o 1 seja um grande 1, pra mim é um veredicto.

Leaving the world, Douglas Kennedy
Novo romance de DK, um autor que estranhamente nunca foi publicado por aqui. Gostei muito deste, sobre uma professora de inglês que se desconecta do mundo depois de uma tragédia, e tenta inventar uma vida nova, sem relação com a vida antiga. É um tema curioso e atraente para quase todo mundo, na verdade. E o livro tem pegada. Eu me emocionei (lencinho! lencinho!). É uma daquelas ficções comerciais mesmo, sem muitas pretensões literárias (forma, linguagem, estilo etc.).

6 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você a respeito de 2 livros:
O do hatoum - um grande livro que li ano passado.
E Pilares da Terra que li já a algum tempo e amei. Pertenço ao grupo que AMA os 2 volumes, agora começo o outro que você citou: Mundo sem fin estava na minha estante e fui lá buscar depois de ler seu comentário( lembrei!)
Recomendo um livro muito bom: No coração do mar de Nathaniel Philbrick
Gosto muito do que você escreve!
Liz

anna v. disse...

Salve, Liz. Já vi que temos de fato o mesmo gosto. Sou apaixonada por "No coração do mar"! É mais uma não-ficção de primeira linha. Na época que li me empolguei tanto que logo depois tomei coragem e encarei Moby Dick.
Obrigada pela visita, e depois me conta o que achou de "Mundo sem fim".

vera maria disse...

Nós temos algumas leituras em comum, e no apreço seria o livro do Tezza, que eu acho excelente e considero ficção, por supuesto :), porque não importa muito que o menino exista, ele só vira o Felipe que eu conheço porque foi criado para mim nesse livro - o garoto real só diz respeito à família dele, enfim, essa é uma das discussões centrais da literatura, acho (ou era, não sei se ainda é ).
O livro do Chico cheguei a ler algumás páginas e parei por falta de paciência; seu comentário não é muito animador para voltar a ele, mas eu me prometi fazê-lo em algum momento.
Quanto ao Hatoum, tenho uns 3 livros dele aqui, inclusive Dois irmãos, mas nunca li, o que vou fazer agora, claro, assim que terminar umas tarefas obrigatórias.
Os outros livros não conheço nadica de nada e só me animei com Presente do mar, acho que quero conhecê-lo.

Fico feliz que tenha sobrevivido bem à cirurgia (e tb tenha podido escrever esse post ótimo), é sempre chato qualquer pós operatório, mas tudo vai passar rapidinho, e com a fofinha fazendo carinho tudo fica mais leve, né não :)
beijo, tudo de bom,
clara

anna v. disse...

Clara querida, sem sombra de dúvida, se eu tivesse que escolher um desses livros para recomendar a você, seria mesmo o Presente do mar. Pela convivência que já temos há algum tempo por intermédio dos blogues, acho que você vai gostar. (Tomara.)

Issana disse...

Oi!
Comprei 4 dos livros que vc sugeriu e não me arrependi.

Obrigada pela generosidade.

Abraço,
Issana

anna v. disse...

Issana: puxa, é mesmo? Quais?! O que você achou? Estou curiosa!
Beijos.