14.10.07

Sobre a pressão para ter filhos

Egon Schiele, "A família"


Outro dia fui almoçar com S. e E. Fomos ao Amir, o tal árabe da Praça do Lido de que eu já tinha ouvido falar tanto e nunca experimentado. Superou todas as expectativas, é mesmo espetacular.
Os dois são um casal nota dez, e são amigos próximos, principalmente ela. Do tipo, dificilmente passamos mais de 2 semanas sem nos falar. Ela tem 33 anos, ele é mais novo, acho que tem 28 ou 29, por aí.

Bom. Saindo do almoço, caminhando pela Av. Copacabana, ele me diz, como quem procura adesões: "Estou fazendo uma campanha para convencer S. a ter um cachorro." Eu tenho um problema em controlar minhas reações. Mandei na lata: "Um cachorro?! Ah, não acredito, pelo amor de deus, gente!" Felizmente meu problema de controle reacional não é tão grande, pois me controlei e não disse o que no fundo pensei: "Por que vocês não deixam de embromação e têm logo um filho?"

(E antes que me apedrejem: eu adoro cachorros, e por isso mesmo acho que duas pessoas que moram em apartamento e trabalham fora o dia todo não devem ter um.)

Ainda bem que não falei sobre isso dos filhos. Essa pressão é o que há de mais desagradável, e duvido que haja um casal com 30 anos ou mais que não tenha passado por essa situação diversas vezes. O mais comum é que a pressão não venha tanto dos amigos, mas sim das pessoas da geração anterior, pais, tios, amigos dos pais, até vizinhos etc. É foda. No fundo é compreensível que haja o questionamento ("como é, não vão procriar?"), mas, como tudo na vida, essa pressão pode ser exercida com mais ou menos noção. E aí a resposta pode vir também com mais ou menos educação.

Eu evito ao máximo tocar neste assunto, mesmo com meus amigos mais próximos, como S. e E. A minha gravidez faz com o tema venha à tona com um pouco mais de naturalidade, mas mesmo assim é delicado. Como diz H., "tocar nesse assunto é atiçar a ira dos Deuses do Constrangimento e eles costumam não brincar em serviço". É verdade. Além do mais, com o passar dos anos, mais e mais pessoas do seu círculo de amizade vão tendo filhos, e a peer pressure silenciosa é mais estrondosa.

Além da pressão natural do grupo, há, sim, a malfadada e maldita pressão do relógio biológico -- a evidência irrefutável que não se pode pleitear uma igualdade total entre os sexos. Homens podem ter filhos aos 80 anos, DNA do seu DNA. Mulheres não podem mais aos 50. Se isso não é injusto, eu não sei o que é injustiça. O diabo é ter que decidir mais ou menos até os trinta-e-poucos se você quer, algum dia, ter filhos ou não. Sim, a medicina evolui, é cada vez menos difícil engravidar com mais de 40, etc. e tal. Oquei. Ao mesmo tempo, imagino que aos 50 anos, já estando há uns quase 30 anos no mercado de trabalho, eu queira estar "em outra", curtindo a vida de outra forma. E nessa hora, lidar com os problemas de uma criança de dez... não sei. Esses são, claro, needless to say, meus questionamentos pessoais. Que afloram conforme chega a hora de me despedir da minha vida como ela é.
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4 comentários:

osvjor disse...

A pressão existe, é claro, se é que se pode chamar assim, mas também é superestimada. A gente sempre pode dizer: "Ainda não, estamos treinando apenas..." Ou não dizer nada, sei lá. Mas é certo que não acaba quando finalmente nasce o filho. Passa um tempo e logo começam a perguntar: "E quando vem o segundo? É tão triste filho único..." Algumas respostas-padrão do meu arsenal (não estou sugerindo nada): "Prefiro um cachorro", "Vou comprar um camundongo", "Se você pagar o colégio, eu tenho outro", "Não consigo ter ereção pensando que a mulher pode engravidar", "Não consigo ter ereção"

Isabella Kantek disse...

Fazendo um balanço, na minha opinião, a pior pressão é a interna, por mais que ela tenha sido gerada por algum parente ou amigo (externo). É aquela que te pega na hora do sono, no metrô ou mesmo quando você está apenas lavando os pratos, e faz com que você questione a si mesmo... como se houvesse algo de errado com você e com as escolhas que fez. Tudo tem o seu tempo. (vou ficar repetindo isso feito um mantra) rsrs
Beijo.

Anônimo disse...

Interna, externa, silenciosa, gritante... A verdade é que a pressão existe mesmo. E se faz pior é quando vc tá tentando e não dá certo. Minha Querida com 28 anos já sentia isso. Eu nunca pergunto sobre filhos. Uma outra coisa que - sei lá, pode ser bobagem minha - eu acho meio chato é aquele papo de "o importante é que venha com saúde". Pra mim isso é muito óbvio. Por outro lado, pô, se não for saudável será desprezado? Claro que não, né? Posso estar superestimando a situação por estar "grávido", mas considero isso mais uma forma de pressão inútil.

Anônimo disse...

Osvjor, não sei se é superestimada. Quando converso sobre isso com as pessoas, vejo que muitos homens dizem isso que você diz ("não é tanto assim" etc.), mas nenhuma mulher acha que não é uma pressão sinistra. Quanto a ser filho único, se vierem com esse papo, jogo logo o meu caso de filha única e feliz para calar a boca dos críticos.
Isabella, sim, você está certa, mas são questionamentos normais na vida de qualquer pessoa a partir de uma certa idade, e não necessariamente uma pressão introjetada. As escolhas a gente permanece fazendo, o tempo todo.
Camilo, você tem toda razão sobre esse papo de "o importante é que venha com saúde". Já ouvi isso um bilhão de vezes, e nunca tinha pensando isso que você disse: ué, e se não vier? Mais uma coisa para deixar os pais pilhados, como se a saúde (ou a falta de) dos filhos quando nascem fossem mais uma responsabilidade sua, ou mais uma chance de fracasso.